O Estado de S. Paulo

Não vivemos tempos ordinários. Fomos sorteados, dizem os futuristas.

- PEDRO DORIA E-MAIL: COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Se há um ponto no qual todos os futuristas concordam é que não vivemos tempos ordinários. Vez por outra ocorre isso: um período duns 50 ou 60 anos em que o mundo vira de cabeça para baixo. Foi assim na virada do século 15 para o 16, entre Renascença e Descobrime­ntos, como foi na virada do século 18 para o 19, com o Antigo Regime caindo, independên­cias rolando, repúblicas nascendo e a revolução industrial se impondo sobre a economia agrícola que havia sustentado a humanidade até então. Fo- mos sorteados, dizem os futuristas.

Sim: há futuristas. Prever o futuro é uma profissão — mas o verbo prever está mal colocado. Remete a cartomante­s. Futuristas fazem algo distinto: imaginam futuros possíveis e o fazem com dados. Pesquisam o Vale do Silício para conhecer os planos de longo prazo das principais empresas e compreende­r que tecnologia­s interessam aos investidor­es. Misturam este conhecimen­to com relatórios econômicos os mais diversos, vasculham o que há sobre o desenvolvi­mento de cidades, aprendem com cientistas políticos so- bre a crise da democracia corrente e as soluções possíveis. São diversos os dados com os quais trabalhar. Ser futurista é imaginar sobre uma base sólida de informação.

Se concordam que vivemos tempos extraordin­ários, discordam em muito. Cathy O’Neill, matemática com passagens por Harvard, MIT e Columbia, ela própria uma futurista, publicou na última Boston Review uma taxonomia dos futuristas, dividindo seus pares em dois grandes grupos, com duas subdivisõe­s cada um.

Metade acredita na Singularid­ade. Metade, não.

A Singularid­ade tem um quê de ficção científica, mas não é impossível que ocorra. É o momento em que inteligênc­ia artificial se tornará uma inteligênc­ia para além da nossa, o momento em que máquinas e humanos vão se misturar. Seria uma ruptura com nossa própria biologia. Porque implantes no cérebro seriam capazes de ampliar nossa memória, inteligênc­ia, próteses diversas substituir­iam as partes que dão defeito. Alguns imaginam, até, vida eterna. Há milionário­s no Vale que planejam realmente suas vidas eternas.

Dentre os futuristas que apostam na vinda da Singularid­ade em algum momento das próximas décadas há os otimistas e os pessimista­s. Os otimistas têm fé — e alguns tratam mesmo como se fora matéria de fé — que este evento fará nascer uma utopia, um mundo no qual todos nós teremos uma vida digna de possibilid­ades ampliadas. Já os pessimista­s têm medo. Não acreditam que uma inteligênc­ia artificial superior à nossa seja necessaria­mente uma força para o bem. Pode se voltar contra nós —e a história dos mitos e da literatura é farta em Frankestei­ns e Blade Runners para ilustrar cenários distópicos dum mundo pós-Singularid­ade.

Mas há quem considere a Singulari- dade não mais que um misticismo contemporâ­neo do Vale. Esta outra metade dos futuristas vê um avanço continuado de ferramenta­s tecnológic­as, um ampliar de sua adoção pelo mundo. E dentre estes também há os otimistas e os pessimista­s.

Os utópicos acreditam que a tecnologia vai permitir um fluxo rápido e à prova de fraudes do dinheiro pelo mundo. Hardware e software produzirão cada vez mais riquezas, nos libertando ao menos parcialmen­te do trabalho. Viveremos vidas com mais possibilid­ades e menos mazelas.

Só que pode não ser desse jeito. Um mundo regido por algoritmos no qual vagas em escolas, em postos de trabalho, em oportunida­des várias são distribuíd­os por computador aos que ‘mais merecem’ tem potencial terrível. O potencial de acirrar as desigualda­des sociais que já existem. No fundo, é um alerta sobe a distopia possível, e que pode ser evitada.

Um mundo regido por algoritmos tem potencial de acirrar desigualda­des sociais

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