O Estado de S. Paulo

Na democracia, juízes não são senhores absolutos do direito

- Luiz Guilherme Conci

AConstitui­ção regula o exercício da função de parlamenta­res e não prevê qualquer hipótese de afastament­o judicial. Quando se afastou o senador Delcídio Amaral (sem partido-MS), o STF criou posição sem fundamento constituci­onal. Nunca é demais lembrar que se trata de um agente político legitimado pelo voto popular.

A relação entre Parlamento e Judiciário é complexa, pois ao mesmo tempo em que o Parlamento estabelece leis que obrigam os juízes, os juízes podem aplicar as leis que afetam os parlamenta­res, como no caso decidido anteontem.

Deve haver um condiciona­mento recíproco. Pode haver abuso tanto na relação entre Parlamento e Judiciário, com leis restritiva­s da ação judicial, como de juízes, com seus poderes sobre os parlamenta­res. É o que ocorreu no caso Aécio, e, nesse caso, há uma agravante, pois é uma autoridade política legitimada por milhões de votos. Trata-se de uma questão que afeta diretament­e a soberania popular.

O Poder Judiciário tem usado de forma excessiva medidas cautelares contra réus, dentre eles parlamenta­res. É uma decisão inicial em que não há produção efetiva de provas pelos réus, pois não houve espaço para o contraditó­rio. Isso pode implicar exercício abusivo por parte do Judiciário em detrimento do Parlamento, o que não é legítimo em uma democracia. Afastament­o de parlamenta­r só pode acontecer em função de um processo onde houve oitiva do réu, onde ele pôde produzir prova, onde houve condenação. Essa sanha que se construiu no Brasil de combate à corrupção está gerando distorções brutais.

No âmbito do direito, há uma espécie de liberalida­de grande aceita pelos tribunais para que juízes imponham prisões cautelares com mais de ano. Sobre o assunto, a Comissão Interameri­cana de Direitos Huma- nos produziu, há 15 dias, um informe sobre medidas cautelares na América Latina, no qual diz que quase 50% da população carcerária está sem direito de recorrer de uma decisão tomada por um juiz singular, estando presa. Isso é retrocesso civilizató­rio gigantesco.

O Brasil é uma democracia e há que se fixar os limites do Estado e dos juízes, que não são senhores absolutos do direito. Eles devem ter controles legais e constituci­onais. Um desses controles está na relação entre juízes e legislador­es, que deve partir do direito e não do juízo moral de cada juiz ou tribunal.

✱ PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCI­ONAL DA PUC-SP E DA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO BERNARDO

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