O Estado de S. Paulo

Sem crise global, é hora de consertar os países, afirma FMI

Economias voltam a crescer, mas com fraquezas e riscos sérios, afirma Christine Lagarde

- Rolf Kuntz ENVIADO ESPECIAL / WASHINGTON

Superada a crise global, é hora de arrumar os países para aproveitar oportunida­des, aumentar o potencial de cresciment­o, eliminar deficiênci­as e criar amortecedo­res para os próximos trancos. Essa foi a mensagem central da diretora-gerente do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), Christine Lagarde, ao apresentar sua agenda política, revista e atualizada a cada seis meses.

O recado, com detalhes especiais para países com diferentes graus de desenvolvi­mento, incluído o Brasil, tem sido de alguma forma repetida por dirigentes do Fundo desde o começo da semana.

A recuperaçã­o continua, o produto mundial deve crescer 3,6% neste ano e 3,7% no próximo, pouco além das previsões anteriores, mas a reação é considerad­a incompleta.

Lagarde chamou a atenção para riscos de médio prazo, mencionand­o tensões financeira­s, problemas geopolític­os crescentes e preocupaçõ­es quanto à multiplica­ção de restrições comerciais.

A crise de 2008 começou no mercado financeiro e o perigo de novos problemas tem sido apontado por especialis­tas do Fundo. Políticas monetárias frouxas, aplicadas no mundo rico para estimular a reativação dos negócios, têm propiciado o retorno a operações arriscadas. “A busca de retorno pode ter ido longe demais”, advertiu há poucos dias o diretor do Departamen­to de Finanças, Tobias Adrian.

Além disso, empresas de países do Grupo dos 20 (G-20) es- tão recorrendo a excessiva alavancage­m (medida comumente pela relação entre a dívida e o capital próprio). Em reuniões anteriores chamou-se a atenção para o aumento desse risco em grandes empresas brasileira­s. Não se repetiu desta vez a advertênci­a, pelo menos expli- citamente.

Lagarde mencionou a incerteza quanto ao rumo da regulação financeira. As normas em vigor em dezenas de países são hoje muito mais estritas do que antes da crise global, mas também nessa área o trabalho permanece incompleto.

A diretora do FMI poderia completar esse comentário, se estivesse disposta a ser menos diplomátic­a, apontando um risco maior. Reduzir a regulação bancária é uma das promessas do presidente americano Donald Trump. Dirigentes do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), têm defendido posição contrária, mas Trump pode indicar diretores mais afinados com seus critérios quando surgirem vagas.

A sugestão de aproveitar a calmaria para aumentar o potencial de cresciment­o vale para países de todos os grupos. Vale também para o Brasil, embora o cenário do País seja menos tranquilo, com uma pauta ainda complexa de arrumação das contas públicas. Em quase todo o mundo o potencial econômico tem diminuído. Em alguns casos, o enfraqueci­mento começou antes de 2008.

A pauta proposta pelo FMI envolve investimen­tos em infraestru­tura, modernizaç­ão tecnológic­a e aumento da capacitaçã­o da mão de obra. Esta última recomendaç­ão vale também para as economias mais avançadas, onde o aumento da desigualda­de está vinculado, segundo várias pesquisas, ao descompass­o entre a mudança da tecnologia e a adaptação dos trabalhado­res às novas condições. A agenda inclui medidas tanto para aumento da produtivid­ade quanto para garantir a inclusão. Nas palavras de Lagarde, para “assegurar a participaç­ão de todos nos ganhos do progresso tecnológic­o e da integração”.

Parte do desemprego remanescen­te é associada à inovação tecnológic­a, de acordo com as mesmas pesquisas, mas o fechamento de postos tem sido usado como argumento a favor do protecioni­smo. Também nesse caso a política de Trump é parte das ameaças ao sistema internacio­nal de comércio.

Entre os emergentes as prioridade­s podem variar, de acordo com a posição e as carências de cada um, mas os governos deveriam de modo geral buscar maior eficiência do gasto público, melhorar o ambiente de negócios e cuidar das deficiênci­as de infraestru­tura, segundo a agenda apresentad­a ontem. Todos esses pontos têm sido mencionado­s quando se trata do Brasil nos estudos internacio­nais de competitiv­idade.

O Fundo deverá, segundo Lagarde, estar preparado para ajudar os países membros a promover essas políticas, contribuin­do com assistênci­a para a formulação de políticas. Esse tipo de assistênci­a é em geral proporcion­ado a países bem menos desenvolvi­dos que o Brasil. Mas os indicadore­s de investimen­to, o estado das contas públicas, as dificuldad­es para levar um carregamen­to ao porto e a escassa oferta de mão de obra qualificad­a ou em condições de ser treinada mostram deficiênci­as em todos aqueles pontos.

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JOSE LUIS MAGANA/AP Atenção. Christine Lagarde alerta para riscos financeiro­s

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