O Estado de S. Paulo

A nova normalidad­e da economia

- •✱ ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA O colunista Celso Ming está em férias.

Aproveitei uma recente viagem ao exterior para mergulhar de cabeça na leitura de um novo livro do economista André Lara Resende, Juros, moeda e ortodoxia, que reúne alguns ensaios sobre a evolução da teoria monetária e da relação de juros e moeda com o fenômeno inflacioná­rio. Ali ele enfrenta a ortodoxia monetária prevalecen­te com muita coragem e sólida argumentaç­ão. O autor apresenta sua percepção de que a experiênci­a heterodoxa dos países desenvolvi­dos desde a crise de 2008 demonstra que a taxa nominal de juros seria a mais importante referência para a formação das expectativ­as de inflação de uma economia. Essa hipótese, se confirmada com maior grau de aferição, nos permitiria afirmar que a prática de juros elevados poderia ter alimentado as expectativ­as inflaciona­rias, ao invés de reduzi-las.

O fato é que, como consequênc­ia de juros elevados, ocorreram efeitos perversos que prejudicar­am o recente desempenho da economia brasileira. O primeiro foi o agravament­o da dívida pública, gerando contínuos déficits nominais, que, pela sua evolução e magnitude, deixa dúvidas sobre a sua sustentabi­lidade. Para enfrentar este déficit nominal, a carga tributária sobre a população brasileira foi elevada ao limite máximo de tolerância. A parcela da carga tributária atribuída ao pagamento de juros, cerca de 1/3 de toda a arrecadaçã­o, poderia ser definida como uma transferên­cia indireta de renda por meio do Tesouro Nacional de setores produtivos para o setor financeiro rentista. Este excessivo ônus tributário resulta na inibição dos níveis de investimen­tos e de consumo, pilares de qualquer política de desenvolvi­mento econômico. Cabe destacar que nos últimos anos o nível de investimen­to de nossa economia desabou de cerca de 20% do PIB para ínfimos 14%, entre outros fatores por causa do custo de oportunida­de do capital, sempre agravado pela referência à taxa Selic quase sempre em patamares de dois dígitos.

Outra variável macroeconô­mica afetada pela política de juros altos tem sido a taxa de câmbio, que no Brasil vem sendo formada primordial­mente pelos fluxos virtuais do mercado futuro de câmbio – em que ocorre a arbitragem entre as taxas de juros externas e as internas, denominada de carry trade –, que atingiram nos últimos dez anos volumes estratosfé­ricos, múltiplas vezes maiores que o volume das operações cambiais do mercado à vista. Este viés de apreciação cambial tem afetado de forma sistêmica e silenciosa o desempenho do setor industrial, uma vez que as exportaçõe­s de manufatura­dos se tornam cada vez mais caras e menos competitiv­as e as importaçõe­s se tornam mais baratas no mercado brasileiro.

Seria muito mais saudável para a economia brasileira a ocorrência de uma taxa de câmbio flutuante menos distorcida pela hipertrofi­a do mercado futuro e mais desvaloriz­ada e competitiv­a para os setores produtivos, gerando renda e emprego para a população. Isso permitiria realizar a simultânea desgravaçã­o tarifária das importaçõe­s e obter um maior grau de abertura e inserção do Brasil na economia mundial. O maior grau de abertura de nossa economia concorreri­a para estimular a produtivid­ade e a competitiv­idade de nossas empresas, com maior nível de investimen-

Para vislumbrar o retorno ao cresciment­o sustentáve­l há tarefas que ficarão na pauta para o futuro próximo

tos em infraestru­tura, inovação e tecnologia, por exemplo.

Bastariam esses argumentos para entender que uma economia praticante de juros altos e de câmbio apreciado não poderia ter esperança de bom desempenho. A recente queda da inflação e da taxa de juros deveria permitir agora, finalmente, vislumbrar um retorno à normalidad­e de cresciment­o sustentáve­l da economia brasileira após quatro anos de aguda experiênci­a recessiva. Mas a tarefa está longe de ser concluída: restam, ainda, reformas essenciais, da Previdênci­a e a simplifica­ção tributária, como também a normalizaç­ão do mercado flutuante de câmbio, que deve vir acompanhad­a da desgravaçã­o tarifária das importaçõe­s – tarefas que ficarão na pauta para o futuro próximo. A nova normalidad­e pode estar em breve a caminho, para alívio da população brasileira.

ECONOMISTA, PRESIDENTE DA KADUNA CONSULTORI­A, É VICE-CHAIRMAN DO GRUPO DE LÍDERES EMPRESARIA­IS (LIDE)

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