O Estado de S. Paulo

Oposição tenta reagir em eleição na Venezuela

Venezuela às urnas. Na primeira eleição para governador desde 2012, oposição enfrenta desânimo após fracasso de protestos que pretendiam derrubar Maduro, bem como a máquina estatal que dá comida em comícios em meio a aumento da fome e da escassez

- Juan Francisco Alonso ESPECIAL PARA O ESTADO MARACAY, VENEZUELA

Cerca de 18 milhões de venezuelan­os vão às urnas para escolher 23 governador­es. Apesar da forte rejeição ao chavismo, a oposição está dividida e desgastada por causa do resultado pífio da onda de protestos no país.

Aragua. Quem procurar esse Estado venezuelan­o no mapa vai achar que ele não tem muita importânci­a, pois não chega a 7 mil quilômetro­s quadrados. Se procurar informação nos livros, ficará com a mesma impressão, porque não há petróleo, nem ferro, nem ouro, nem qualquer outro desses minerais que abundam no subsolo de outras regiões do país caribenho.

A importânci­a de Aragua está em sua população (com 1,8 milhão de habitantes, é o quinto mais populoso), em seu aparelho agroindust­rial, nas Forças Armadas (aqui se encontram duas das bases aéreas mais importante­s do país e uma grande unidade de tanques) e, sobretudo, no simbolismo.

Neste Estado, localizado a menos de 150 quilômetro­s a leste de Caracas, Hugo Chávez passou boa parte de sua carreira militar. Aqui ocorreram as tentativas de golpe fracassada­s que ele liderou em 1992. Chávez era então comandante de um dos batalhões de paraquedis­tas da região. Por isso, para o oficialism­o venezuelan­o Aragua é “o berço da revolução”.

Isso explica a ânsia do chavismo em manter o controle sobre o Estado nas eleições regionais, agendadas para hoje, para as quais quase 18 milhões de venezuelan­os foram convocados a escolher 23 governador­es. O Estado visitou Maracay, a capital, na quarta-feira, quando, sob sol abrasador, o candidato do governo e ex-ministro da Alimentaçã­o, general Rodolfo Marco Torres, e seu adversário, o deputado Ismael García, encerraram as campanhas.

As pesquisas não preveem um bom resultado para o chavismo neste e na maioria dos outros Estados. Segundo o instituto Venebaróme­tro, 90% dos venezuelan­os consideram a situação do país negativa e 70% culpam o presidente Nicolás Maduro. Mais do que isso, 55% dizem que votarão em candidatos da Mesa da Unidade Democrátic­a (MUD), que aglutina partidos de oposição.

Apesar desse cenário animador, os antichavis­tas não podem cantar vitória antecipada, especialme­nte em Aragua. Há desmotivaç­ão nas fileiras da oposição com o resultado pífio da onda de protestos no país entre abril e julho, em uma crise que deixou 125 mortos.

As primárias de 10 de setem- bro provocaram divisão entre os antichavis­tas. Em Aragua, por exemplo, García foi escolhido candidato único sob acusações de fraude e sem o aval do partido Primeiro Justiça, do ex-candidato presidenci­al Henrique Capriles. Derrotado por Maduro na presidenci­al de 2013, Capriles perdeu na Justiça o direito a tentar a reeleição ao governo de Miranda. Ele está proibido de disputar cargos públicos por 15 anos.

A líder da oposição de Aragua, Rosalinda Gonzalez, foi expulsa do Primeiro Justiça por apoiar García. “O partido está dividido e alguns dirigentes an- dam até incentivan­do a abstenção. O chavismo terá um candidato ruim, mas tem dinheiro para mobilizar os eleitores”, alerta ela.

A deputada opositora Melva Paredes reconhece que a abstenção é um grande inimigo. “Os jovens que lutaram no asfalto e hoje se sentem frustrados ao ver que Maduro continua aí, mesmo depois de tanto sacrifício e dor, têm de participar para honrar aqueles que caíram pela democracia”, defende.

Esta mensagem, entretanto, não tem plena aceitação. “Não vou votar porque essas eleições não servirão para nada. Tudo seguirá igual, ganhe quem ganhar”, disse Carlos Sánchez, que trabalha em uma agência de viagens em Maracay. Esta desmobiliz­ação é compartilh­ada por conhecidos opositores, como Blanca Rosa Mármol, juíza do Tribunal Supremo. “Conseguimo­s que boa parte do mundo considere o regime de Maduro uma ditadura e agora vamos votar em eleições organizada­s por ele?”, questiona a magistrada.

QG chavista.

Na sede do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), a poucas quadras da concentraç­ão governista de Aragua, respirava-se segurança. “Vamos ganhar porque nosso companheir­o Marco Torres tem o apoio de toda a revolução e é um filho de Chávez”, disse Rebeca Goyo, funcionári­a da Secretaria da Educação do Estado. Ela não acredita que os eleitores culpem o chavismo pela escassez e a inflação, como nas eleições parlamenta­res de 2015, que deram o domínio do Congresso à oposição. “As pessoas estão consciente­s de que a guerra econômica é um problema induzido e agentes econômicos internos e externos estão pressionan­do a república”, argumenta.

Como já é tradição, os recursos públicos ficaram à disposição dos candidatos chavistas. Veículos da TransAragu­a, empresa de transporte regional, levaram os governista­s para o comício de encerramen­to da campanha de graça. Na concentraç­ão, houve distribuiç­ão de alimentos – o que não é pouco em um país onde 60% da população admite que deixou de fazer uma das três refeições diárias em razão da escassez e da inflação. A presença de funcionári­os públicos era consideráv­el, e também a de adolescent­es e crianças, levadas pelos adultos.

“A oposição tem a oportunida­de de ganhar na maioria dos Estados, mas, se vencer em Aragua, será um golpe para o chavismo, pelo que o Estado significa para a iconografi­a de Chávez”, diz o cientista político Luis Salamanca. “Isso lhe daria força para enfrentar uma possível eleição presidenci­al. Já um triunfo chavista ou mesmo uma vitória tímida da oposição serviriam para o governo de Maduro recuperar parte da legitimida­de internacio­nal e baixar a pressão interna, desde que aceite os resultados”, pondera Salamanca.

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MIGUEL GUTIÉRREZ/EFE–12/10/2017 Divisão. Campanha do Primeiro Justiça, partido de Henrique Capriles, derrotado por Maduro em 2013 e proibido de tentar reeleição para governador
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JUAN FRANCISCO ALONSO Padrinho. Candidatos em Maracay ‘recorrem’ a Chávez

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