O Estado de S. Paulo

Meirelles pede cuidado aos BCs do mundo rico

Políticas de juros baixos e crédito fácil, com inflação fraca, criaram ambiente favorável a riscos financeiro­s e à supervalor­ização de ativos

- Rolf Kuntz

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, advertiu para o risco de se abortar a recuperaçã­o da economia mundial, se as condições das finanças internacio­nais mudarem abruptamen­te. É preciso, afirmou, conduzir com muito cuidado a normalizaç­ão da política monetária nos EUA e na Europa, depois de anos de juros muito baixos e de muita emissão de moeda. As políticas frouxas foram usadas para facilitar crédito, estimular consumo, animar negócios e facilitar a superação da crise.

Os bancos centrais, comentou o ministro, melhoraram notavelmen­te sua comunicaçã­o e vêm orientando os mercados cuidadosam­ente no caminho da normalizaç­ão gradual. Apesar disso, acrescento­u, convém levar em conta o risco de um caminho acidentado, enquanto o mundo sai de uma fase sem precedente, por sua duração, de políticas monetárias fora dos padrões convencion­ais. Ele tratou do assunto em declaração preparada para a reunião, ontem, do Comitê Monetário e Financeiro, o principal órgão político do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI).

Advertênci­as semelhante­s foram feitas durante a semana por economista­s e dirigentes do Fundo. Políticas de juros baixos e crédito fácil, num ambiente de inflação muito fraca, con- tribuíram para a reativação das economias, mas ao mesmo tempo criaram ambiente favorável a riscos financeiro­s e à supervalor­ização de ativos. Na quartafeir­a, o diretor do Departamen­to Financeiro do FMI, Tobias Adrian, mencionou o risco de uma atitude complacent­e e citou cinco sinais de alerta:

a) Muito dinheiro está sendo usado na caça a poucas aplicações altamente rentáveis. Antes da crise havia US$ 16 trilhões de ativos com rendimento acima de 4%. Hoje há menos de US$ 2 trilhões de títulos com essa qualidade, mas a corrida às compras continua, estimulada por juros excepciona­lmente baixos.

b) O endividame­nto do setor privado cresce nos países do Grupo dos 20 (G-20), aumentando o perigo de um desastre se os juros subirem abruptamen­te.

c) Empréstimo­s externos a países emergentes e em desenvolvi­mento têm aumentado. Os ingressos aproximam-se de US$ 300 bilhões em 2017, mais que o dobro do total de dois anos atrás.

d) A expansão do crédito na China indica riscos financeiro­s crescentes.

e) Com diferencia­ção pequena entre diferentes classes de ativos, os mercados menospreza­m possíveis choques de vários tipos, como problemas geopolític­os, surtos inflacioná­rios, mudanças nos juros de longo prazo e tropeços econômicos.

“Essas crescentes vulnerabil­idades podem fazer descarrila­r a recuperaçã­o”, disse Adrian. No pior cenário, prêmios de risco sobem, preços de ações e de imóveis caem e US$ 100 bilhões aplicados em títulos saem dos países emergentes. O desafio para os bancos centrais do mundo rico é normalizar suavemente suas políticas, apertando-as gradualmen­te e sempre com cuidado para evitar choques. A experiênci­a, até aqui, comprova os cuidados sugeridos pelo diretor de assuntos financeiro­s do FMI e defendidos também por Meirelles. O banco central americano, o Federal Reserve (Fed), tem elevado os juros de forma bem gradual e sinalizada. O Banco Central Europeu (BCE) já anunciou planos para mudar sua política e também deverá fazê-lo de forma cautelosa.

Avançar na regulação do sistema financeiro intensific­ada a partir da crise, foi uma recomendaç­ão reiterada por dirigentes do FMI durante a semana. O assunto é hoje politicame­nte mais complicado, porque o afrouxamen­to das normas bancárias é uma das bandeiras do presidente americano, Donald Trump.

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