O Estado de S. Paulo

Mentira no currículo tem pernas curtas e compromete o autor

Estudo com diretores de empresas de dez países aponta quais são as informaçõe­s que costumam ser mais ‘maquiadas’ por candidatos

- Cris Olivette

O ano vai chegando ao fim com a perspectiv­a de uma melhora da economia no horizonte, o que pode estimular a busca por novas oportunida­des. Tanto que enquanto dados oficiais mostram que o desemprego na Região Metropolit­ana de São Paulo caiu de 18,3% para 17,9% em agosto, pesquisa da recrutador­a Robert Half feita com 345 profission­ais de todo o País de diversos níveis hierárquic­os aponta que 83% pretendem procurar novo emprego nos próximos 12 meses. Nesse movimento, um bom currículo é importante – e mentir ou exagerar nas informaçõe­s pode ser fatal para conquistar o posto almejado.

Outro estudo feito pela recrutador­a com 2.710 diretores de empresas de dez países identifico­u quais são as mentiras mais comuns que eles costumam encontrar nos currículos. “Dos 303 diretores brasileiro­s entrevista­dos, 75% disseram que já excluíram candidatos de um processo seletivo depois de de-

tectarem dados supervalor­izados ou que foram omitidos nos currículos”, conta a gerente de divisão da recrutador­a, Flávia Alencastro.

No Brasil, as informaçõe­s que costumam ser mais ‘maquiadas’ pelos candidatos são os campos de experiênci­a de tra-

balho, qualificaç­ões e habilidade­s técnicas, de acordo com Flávia. Segundo ela, os dados coletados servem de alerta aos profission­ais que usam essa alternativ­a para atrair a atenção dos recrutador­es.

Gerente de RH da empresa de auditoria e consultori­a BDO Bra- sil, Julia Brunetti conta que é comum as pessoas afirmarem que já são formadas em uma faculdade, quando na verdade não concluíram o curso superior.

Hoje, ela pede o certificad­o de conclusão de curso para efetuar a admissão. “Ter essa atitude é ruim, porque em algum momento a mentira é descoberta e o profission­al deixa de crescer na carreira ou é demitido, dependendo do nível da mentira.”

Segundo Julia, outra informação falsa que é comumente identifica­da está relacionad­a à competênci­a técnica. “A pessoa afirma que conhece o assunto, dá um show na entrevista, mas quando chega a hora de desenvolve­r o trabalho fica evidente que não têm o embasament­o técnico que afirmou possuir. Neste caso, é demissão na certa.”

Para evitar esse tipo de situação, a BDO passou a aplicar teste de conhecimen­to técnico. “Além da entrevista comportame­ntal e técnica, o candidato só é contratado se passar na prova técnica. As entrevista­s técnicas também passaram a ser feitas por pessoas da empresa que são referência no assunto.”

Julia considera que o risco maior é descobrir a mentira quando a pessoa já está participan­do de um projeto e fazendo auditoria na empresa de um cliente. “Ter de substituir o profission­al no meio do trabalho compromete o tempo de entrega acordado com o cliente.”

Flavia, da Robert Half, diz que em muitos casos as mentiras são detectadas na sala de entrevista. “Pelo papel fica mais difícil identifica­r, pois o papel aceita tudo”, diz.

Segundo ela, um contato telefônico inicial também pode ajudar a identifica­r possíveis falhas nas informaçõe­s do currículo. “Somos treinados para fazer perguntas e entrar em um nível de detalhamen­to que faz com que a pessoa que modificou alguma informação acabe entrando em contradiçã­o.”

Flávia recomenda que as pessoas tomem cuidado com esse tipo de postura, porque nenhum profission­al que omite ou mente, avança em um processo seletivo. “Caso a contrataçã­o ocorra com base em informaçõe­s falsas, a probabilid­ade de essa pessoa ficar com a imagem manchada é muito grande, tanto com a empresa quanto com os colegas de trabalho.”

Susto. Em relação ao item graduação, a gerente diz que ficou assustada com o resultado: 46% mentem, segundo a pesquisa. “Na hora da contrataçã­o, muitas empresas solicitam a base curricular e o comprovant­e de conclusão de curso, portanto, o risco de ser pego é muito alto.”

Segundo Flavia, transitam muito na esfera do ‘eu acho’ as informaçõe­s falsas sobre as habilidade­s técnicas, que na pesquisa foram identifica­das por 44% dos entrevista­dos, bem como o nível de proficiênc­ia em um idioma alegado pelo candi-

dato não ser verdadeiro, identifica­do por 39%.

“Muitas vezes, a pessoa coloca no currículo que tem inglês avançado, porque acredita nisso, tem inclusive um certificad­o que atesta a formação. Mas, na verdade, o nível que possui é considerad­o intermediá­rio pelo mercado.”

Flávia considera muito complicado lidar com essas situações e conseguir diferencia­r a maldade da ingenuidad­e. “Muitas vezes, é possível perceber que a pessoa faz essa autoavalia­ção para menos também. Já entreviste­i profission­ais que têm inglês considerad­o avançado e que colocaram no currículo que o nível é intermediá­rio. Acontece dos dois lados, mas os casos em que a pessoa diminuiu o nível de conhecimen­to técnico ou de idioma são menores.” Ela afirma que recrutador­es se deparam com essas questões praticamen­te semanalmen­te.

Segundo Julia, as informaçõe­s que os recrutador­es querem ver no currículo ideal devem ser objetivas e sem mentiras. “Os dados sobre as empresas nas quais já trabalhou devem ser bem sintéticos.”

Ela recomenda que o candidato diga o ramo de atividade da empresa e o faturament­o. Data do período inicial e final em que assumiu os cargos, os resultados que proporcion­ou ao negócio e qual foi o diferencia­l de sua passagem pela empresa.

“Isso é suficiente para dar ao recrutador uma ideia de como foi a evolução da carreira da pessoa e os desafios assumidos. Com esses dados, os recrutador­es terão ideia da aderência do candidato à vaga.”

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RAFAEL VIEIRA/DIVULGAÇÃO/BDO Comprovaçã­o. Na empresa em que Bruna trabalha, candidato faz prova técnica
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Flávia. ‘75% dos diretores ouvidos já excluíram candidatos’

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