O Estado de S. Paulo

Segurança e valorizaçã­o

Moradores e corretores afirmam que planos colaborati­vos de proteção feitos por condomínio­s favorecem compra e venda do imóvel

- Bianca Soares / COLABOROU EROS MENDES - ESPECIAL PARA O ESTADO

Programas de vigilância compartilh­ada adotados por condomínio­s e casas contribuem para a proteção de cidadãos e facilitam comerciali­zação dos imóveis, segundo moradores

A matemática é simples: se a imagem de um bairro é associada à criminalid­ade, os imóveis da região tendem a se desvaloriz­ar. Como forma de se proteger da violência e cuidar do patrimônio, moradores de diferentes áreas de São Paulo têm organizado sistemas comunitári­os de segurança. As ações vão de grupos de WhatsApp à comunicaçã­o via rádio entre porteiros de um mesmo quarteirão.

Foi após um arrastão em um prédio do bairro, há cerca de sete anos, que residentes do Itaim Bibi decidiram criar o que mais tarde ficaria conhecido como Vizinhança Solidária. No início, nove edifícios se juntaram para trocar informaçõe­s sobre o monitorame­nto da área. Hoje, são 145 condomínio­s divididos em grupos menores, ordenados por proximidad­e geográfica.

Presidente do Conselho de Segurança do Itaim, Luzia Maziero, 60 anos, lidera um desses bolsões. A ideia, afirma, é integrar parte do sistema de segurança dos prédios e incentivar a vigilância colaborati­va. “Se alguém vê um carro rodando na área de forma suspeita, compartilh­a a informação. Se acontece algo, não ligamos para o 190, temos um número específico do batalhão da região.”

A comunicaçã­o direta se dá porque a iniciativa virou um programa da Polícia Militar. As chamadas do Vizinhança Solidária não passam pelo mesmo filtro daquelas comuns, assim os atendiment­os ganham agilidade. Além disso, os policiais oferecem treinament­os em que mostram, por exemplo, as principais táticas de invasão a condomínio­s, para que os moradores possam se precaver.

Os imóveis participan­tes são identifica­dos com uma placa na fachada a fim de intimidar criminosos. Mas a maior parte das estratégia­s de segurança são definidas pelos próprios grupos. “Nos reunimos mensalment­e e nossos porteiros conversam entre si de uma em uma hora para ver se está tudo bem no entorno”, afirma Luzia.

A empresária, que já foi síndica do edifício onde vive, diz que a iniciativa agrada a potenciais compradore­s. “Quando chega alguém interessad­o em um apartament­o, nós mostramos o sistema e é visível a sensação de segurança que dá.”

O ponto costuma ser supervalor­izado por quem procura uma propriedad­e na região, afirma a corretora Kelli Martins, da PRKM Imóveis. “Geralmente, são pessoas que trabalham por perto e pretendem fazer tudo a pé. Isso faz com que se sintam mais amparadas.”

A apresentaç­ão do esquema, na hora da compra, é um atrativo. “Prédios de alto padrão do bairro têm botões antipânico, que, se apertados, mandam alerta direto para a polícia. Na garagem, há uma vaga para ser usada somente em situações de perigo – se o porteiro vir o morador parando ali, sabe que é um pedido de socorro.”

Ações coletivas também es- tão sendo pensadas para casas, considerad­as mais vulnerávei­s à violência. No Jardim Paulista, um projeto que teve início com cinco vizinhos atualmente reúne cerca de 150. Os encontros são feitos trimestral­mente em uma escola do bairro.

Os moradores são divididos em grupos de WhatsApp conforme o quarteirão em que vivem. “Quando uma pessoa viaja, manda mensagem falando quanto tempo estará fora. Durante esse período, todos ficam mais atentos à casa dela”, conta o coordenado­r, Marcelo Lichtentha­l, 50 anos.

A relação com a polícia se dá como no Itaim. Segundo Lichtentha­l, a participaç­ão popular já ajudou a identifica­r bandidos que, para se aproximare­m das vítimas da região, passavam-se por pesquisado­res do IBGE. “Foi um morador que nos avisou e ligou para o batalhão, por considerar a abordagem suspeita.”

Fábio de Toledo, 50 anos, esteve prestes a deixar o Butantã após dois assaltos e três furtos à sua casa. Mas a relação afetiva com o bairro, onde vive há quatro décadas, o fez buscar alternativ­as. O funcionári­o público instalou na residência câmeras, cerca e portão elétricos, além de um alarme. “Mas vi que só isso não bastava. Se o bandido continua na rua e surge uma oportunida­de, ele age.”

Toledo se aproximou, então, do Conselho de Segurança do Butantã. Virou presidente da entidade e passou a incentivar a colaboraçã­o entre vizinhos, hoje organizado­s em grupos de redes sociais. “É ali que avisamos se algo de errado está acontecend­o. Procuro a polícia e, como ela nos conhece, não precisa, por exemplo, desconfiar de trote. O atendiment­o é imediato.”

As ações têm funcionado, afirma, mas não foram suficiente­s ou chegaram tarde demais para alguns moradores, que preferiram se mudar. “Há ruas do bairro onde com muitas placas de ‘vende-se’ ou ‘aluga-se’. A pessoa é roubada duas, três vezes, e desiste, vai embora.”

Efeito dominó. Daí para formar uma bola de neve é um passo, diz o professor da Fundação Getúlio Vargas Alberto Ajzental. “Um decide vender e o vizinho, que está sujeito à mesma situação, faz o mesmo. O do lado, também. Isso gera um aumento da oferta e o preço do imóvel tende a cair.”

A situação pode ser ainda pior se os potenciais compradore­s descobrem a razão das vendas. “Aí diminui também a demanda. Juntando as duas coisas, a desvaloriz­ação do local pode se generaliza­r.”

O cenário descrito pelo professor se assemelha ao que vive

Morumbi e Alto de Pinheiros, segundo Reinaldo Fincatti, engenheiro e diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Segundo ele, o aumento da criminalid­ade afastou famílias de classe média e alta que viviam em casas e decidiram se refugiar em condomínio­s. “Por isso, o impacto é maior para imóveis de rua, embora o prejuízo a apartament­os seja também consideráv­el.”

Levantamen­to anual feito pela Embraesp aponta que o mercado imobiliári­o em São Paulo está estagnado desde 2015, em razão da crise econômica. Mas a conjuntura é mais sentida em bairros como o Morumbi. “Eles são afetados duplamente, pela recessão e pela superofert­a”, afirma Fincatti.

Corretor há 15 anos na região, Angelo Ferreira, da Valor Imóveis, conta que a situação tem forçado proprietár­ios a serem mais flexíveis. “As negociaçõe­s geralmente compreende­m descontos de 20% a 30% e o vendedor precisa estar aberto a permutas.” A proximidad­e com favelas e a variedade de rotas de fugas usados por bandidos também influencia­m no preço, afirma.

Sensação • “Mostramos o sistema ( o Vizinhança Solidária) eé visível a sensação de segurança que dá ( ao interessad­o no imóvel) Luzia Maziero PRESIDENTE DO CONSEG DO ITAIM

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ALEX SILVA/ESTADÃO
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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Vigilância solidária. Fábio Toledo passou a coordenar grupo de moradores após sofrer dois assaltos e três furtos em casa
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ALEX SILVA/ESTADÃO Vizinhança. Luzia Maziero lidera os moradores do Itaim

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