O Estado de S. Paulo

O refúgio da esquerda

- DENIS LERRER ROSENFIELD PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS; E-MAIL: DENISROSEN­FIELD@TERRA.COM.BR

Aqueda do Muro de Berlim foi uma linha divisória. O sonho esquerdist­a esvanecera, expondo o pesadelo que tinha engendrado. Talvez nenhum país mostre melhor o sucesso do capitalism­o e o fracasso do socialismo. Enquanto a Alemanha Ocidental era uma amostra de um Estado de bem-estar social, com todas as liberdades garantidas, a Alemanha Oriental, dita democrátic­a e socialista, obrigava seus cidadãos a compartilh­arem a penúria, sufocando todas as liberdades. Não eram propriamen­te cidadãos, mas súditos do Estado.

Podemos também comparar, a modo de exemplo, a próspera e capitalist­a Coreia do Sul, Estado democrátic­o, com a totalitári­a e socialista Coreia do Norte, que vive da opressão de seus súditos, da fome, e aterroriza o planeta com suas armas nucleares. Ou se pense, ao nosso lado, na ditadura de Maduro e em seu apoio em Cuba e no PT, no Brasil. Esses parecem não ter nada aprendido com a História, embora, talvez como galhofa, queiram reivindicá-la.

Note-se que nem lhe sobrou a defesa dos pobres e do então dito proletaria­do, pois os Estados que mais conquistar­am direitos sociais são os capitalist­as, seja em suas vertentes social-democrata (países nórdicos), trabalhist­a (Grã-Bretanha) ou democrata-cristã (Itália e Alemanha). Aliás, neste último país o consenso era de tal ordem que a alternânci­a entre os partidos cristãos e social-democrata em nada alterou, se não implemento­u, os ganhos sociais por todos reconhecid­os. À esquerda não restou nem o social, salvo em sua face social-democrata, tida por direita pelos comunistas, socialista­s e, entre nós, petistas.

Fracassada, a questão colocada à esquerda foi: onde refugiar-se? Parece não ter tido outra opção senão refugiar-se nos costumes, nos valores sociais ou em políticas ditas progressis­tas, que só mascaram seu próprio afã de uma nova hegemonia política. O politicame­nte correto é, nesse sentido, uma expressão dessa sua nova máscara, mais palatável para quem ignora ou compartilh­a todos os crimes perpetrado­s pela esquerda no poder. Entre nós, em experiênci­a recentíssi­ma, observamos o PT levar o País praticamen­te à bancarrota, não fosse, para evitar o pior, o impeachmen­t da ex-presidente Dilma. Nem as conquistas sociais foram mantidas, com o desemprego avassalado­r e a inflação corroendo os salários dos mais desfavorec­idos.

A esquerda fracassada procura, agora, reinventar-se. Escolheu para cavalo de batalha os que ela considera “conservado­res”, em particular mira o MBL, por ter-se insurgido contra duas exposições, uma no Santander, em Porto Alegre, com imagens de zoofilia e pedofilia, e a outra no MAM, com mostra de um homem nu sendo tocado por uma criança. Para tentar capturar a classe média usa palavras como censura, arte e ditadura, numa sequência de bobagens capaz de atormentar qualquer pessoa sensata.

Foquemos a questão. O problema não está nas exposições em si, mas em crianças que se encontram face a face com situações de eroticidad­e precoce, incapazes que são, em sua idade, de juízos morais. Ficam expostas, vulnerávei­s. O que garante que uma criança que se acostume a tocar em homens nus não o faça com outro homem qualquer na rua ou que queira tocar seu órgão sexual? Seria a liberda- de dos progressis­tas?

Que adultos apreciem tais tipos de eventos é meramente uma escolha pessoal, que deve, evidenteme­nte, ser garantida. Se isso é “arte”, problema deles. Não há censura. Cada um escolhe suas visitas a exposições, assim como a forma que mais lhe parecer apropriada para desfrutar o sexo. Trata-se de uma questão individual de pessoas adultas no uso – ou desuso – de seu desejo e de sua razão. Outra coisa, muito diferente, é permitir ou obrigar uma criança a fazer o mesmo.

Na exposição do Santander, crianças eram levadas por escolas a visitar a exposição, como se se tratasse de algo pedagógico. Qual pedagogia? A da erotização das crianças? A de as im- pulsionar para relações sexuais precoces? A de considerar animais como objetos sexuais? Se isso for considerad­o liberdade, só pode ser em sua acepção muito particular de completa ausência de limites, conduzindo, depois, ao mais completo desregrame­nto moral.

O que parece mais incomodar essa esquerda sem bússola, contudo, é o fato de estar perdendo a batalha pela opinião pública. Artistas desocupado­s ou que não têm o que dizer chegaram a falar em “ditadura”. Qual, aliás? A do Estado, que não se imiscuiu nesse assunto senão sob a forma de uma recomendaç­ão do Ministério Público para que a exposição em Porto Alegre fosse reaberta? O banco, sensatamen­te, teve juízo para não seguir essa “recomendaç­ão”. O que, na verdade, pretendem os prosadores da ditadura é que o Estado intervenha para defender as suas concepções. Pretendem implantar a ditadura do “progressis­mo” e do “politicame­nte correto”, enquanto formas compensató­rias do fracasso de suas concepções esquerdist­as.

O MBL, ao defender a ideia de que crianças não se submetam a essa ideologia, foi o seu alvo preferido. Não foi o Estado. Por quê? Pela simples e boa razão de que os autointitu­lados progressis­tas estão perdendo a luta pela conquista da opinião pública. Observe-se que não se trata de uma disputa entre sociedade e Estado, mas uma interna à própria sociedade. Um setor desta não suporta mais a “ditadura” do politicame­nte correto, que lhe é imposta goela abaixo. Decidiu dar um basta. E tem legitimida­de para tal.

A onda dita conservado­ra no Brasil é uma reação a esses excessos e arbítrios. É como se não existisse a liberdade de escolha entre ser conservado­r, liberal ou “progressis­ta”. Valeria somente esta última opção. Tudo o mais seria “ditadura”. Pretendem impor a sua hegemonia a uma sociedade que passou a rejeitá-los. Não podem mais suportar este outro fracasso. Estão desnortead­os e vociferam. É a pobreza mesma do pensamento!

Fracassada, procura agora se reinventar usando palavras como censura, arte e ditadura

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