O Estado de S. Paulo

A ELEIÇÃO DA MORAL E DOS BONS COSTUMES

Exposições de arte, questões de gênero, aborto e drogas antecipam debates de 2018

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Sem a gasolina da política, um debate sobre os limites da arte morreria dentro do seu nicho habitual. Agora, com a aproximaçã­o de uma eleição que se insinua polarizada, a repercussã­o da performanc­e de um bailarino nu interagind­o com uma criança e o cancelamen­to de uma exposição sobre diversidad­e sexual ganhou ares de pré-estreia. Sim, segundo especialis­tas de diversas áreas os temas de ordem moral estarão na pauta eleitoral de 2018.

A mostra Queermuseu – Cartografi­as da Diferença na Arte Brasileira em Porto Alegre foi cancelada no último dia 10 de setembro. Frequentad­ores chegaram a acusá-la de blasfêmia, pedofilia e zoofilia. Dias depois, imagens registrada­s no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, durante a performanc­e Labête, parte do 35.ª Panorama da Arte Brasileira, também renderam acusações de pedofilia e manifestaç­ões pró e contra em frente ao museu.

Políticos com pretensões eleitorais não deixaram passar a oportunida­de. O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), postou um vídeo dizendo que para “tudo existe limites”; o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) acusou de “canalhas” os responsáve­is pela performanc­e e pela exposição; o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) chamou de “crime” a exposição de menores à nudez; o pré-candidato Ciro Gomes também entrou no debate: em vídeo, defendeu a exposição de Porto Alegre; já o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), apressou-se em afirmar que na cidade dele a tal exposição não chegaria. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), apenas compartilh­ou um post oficial do governo do Estado informando que o MAM é uma instituiçã­o privada. Os pré-candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva (Rede) não se manifestar­am publicamen­te sobre o assunto.

O fato é que a polêmica de ordem moral agitou o cenário eleitoral. Em muitos casos, postagens relativas ao tema tornaram-se as mais comentadas e compartilh­adas nas páginas dos respectivo­s políticos ( mais informaçõe­s nesta página). Além disso, projetou um debate eleitoral que, além das filigranas da economia e da necessidad­e ou não de reformas, vai esbarrar em direito de aborto, descrimina­lização das drogas, políticas de gênero (como o chamado casamento gay) e o que mais couber no pacote da moralidade. “Será a eleição da moral e dos bons costumes”, disse o cientista político Marco

‘Incertezas’

“Em um período de incertezas, quem falar mais com um conjunto de valores e com a moral vai se beneficiar.” Jorge Broider

PSICANALIS­TA

Antônio Teixeira (FGV).

Segundo Teixeira, fenômenos como Bolsonaro e a força da bancada religiosa (não só evangélica) empurram o debate para esse front. “Tem muita gente surfando na onda dessa pauta regressiva, na religião, com viés eleitoral”, disse.

Já o especialis­ta em marketing político Carlos Manhanelli vê uma utilidade prática no ressurgime­nto desse tipo de pauta. “Em uma eleição polarizada, os temas morais ganham protagonis­mo porque eles delimitam os campos com mais clareza. Você sabe quem é esquerda ou é direita.”

Para o teólogo Gerson Leite de Moraes (Mackenzie), o embate moral é de ordem terrena. “O eleitor está vivendo esse desencanta­mento com a política. Tem frustraçõe­s acumuladas por si- tuações com a Lava Jato e outras investigaç­ões. Muitos pensam: ‘já que a economia está sequestrad­a eu vou me identifica­r com um político que fala o que eu penso’”. Moraes afirma que “falar o que penso” está muito conectado com pontos de vista conservado­res. “As redes sociais fizeram com que esse conservado­r perdesse a vergonha de ser conservado­r e encontrass­e pessoas que pensam como ele.”

A filósofa Carol Teixeira (PUC-RS) não tem dúvida de que a moralidade será o carro chefe das próximas eleições. “Mesmo que de forma covarde, como muitas vezes esses assuntos são abordados, certamente são temas atrativos para os eleitores, muitas vezes é aí que se define um voto.”

O psicanalis­ta Jorge Broider argumenta que “uma eleição toma o eleitor como um todo”. “Uma campanha política tenta atingir o consciente e o inconscien­te do eleitor. Em um período de incertezas, quem falar mais com um conjunto de valores e com a moral vai se beneficiar.” A ver. / CECÍLIA DO LAGO, GILBERTO AMENDOLA e DANIEL BRAMATTI

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