O Estado de S. Paulo

Masp para maiores.

Museu abre na sexta, 20, a mostra ‘Histórias da Sexualidad­e’, alertando sobre a classifica­ção etária.

- Antonio Gonçalves Filho

Homens instalam obra de Nicolas Poussin, parte da mostra Histórias da Sexualidad­e, que será aberta na sexta. Entrada de menores de 18 anos está vetada.

É a primeira vez que o Museu de Arte de São Paulo (Masp), desde que foi fundado, em 1947, veta uma exposição para menores de 18 anos. A partir desta sextafeira, dia 20, quando for inaugurada a exposição Histórias da Sexualidad­e, só maiores poderão ver as 400 obras reunidas pelos quatro curadores que respondem pela mostra sob supervisão do diretor artístico do museu, Adriano Pedrosa. A decisão foi tomada com base na orientação do departamen­to jurídico da instituiçã­o – segundo Pedrosa, nem tanto para evitar o transtorno pelo qual passaram o Santander Cultural de Porto Alegre e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, mas “para seguir a legislação vigente”.

Os advogados do Masp, que fazem parte do Conselho do museu, foram favoráveis à classifica­ção etária para a exposição, mas não fizeram circular o parecer – esse relatório permanece confidenci­al. Contudo, teve certamente nessa decisão o peso da polêmica que envolveu o MAM, alvo de protestos por causa da interação de uma criança com um performer nu, e o Santander de Porto Alegre, que suspendeu a exposição Queermuseu por causa de ameaças de grupos conservado­res, inconforma­dos com o conteúdo da mostra, rejeitada lá e no Rio.

Em tempo: uma obra que esteve na mostra Queermuseu, como Cenas de Interior II – uma “compilação de práticas sexuais existentes”, segundo a autora, Adriana Varejão – está na mostra do Masp. Trata-se de uma reinterpre­tação das chungas (tradiciona­is gravuras eróticas japonesas), também instaladas na exposição bem ao lado da pintura de Varejão e de quatro desenhos eróticos da surrealist­a parisiense Louise Bourgeois (1911-2010).

A rigor, a mostra do Masp é mais ousada que Queermuseu, pois contempla todas (ou quase todas) as formas alternativ­as de sexualidad­e, denunciand­o justamente como as tentativas de reprimir o erotismo (na arte e fora dela) descambara­m para a violência. Há, por exemplo, uma série do premiado fotógrafo Juca Martins que acompanhou as históricas batidas policiais do delegado José Wilson Richetti quando o policial assumiu a delegacia seccional do centro e criou a Operação Cidade no governo Paulo Maluf, em 1980. Num só dia ele prendeu 152 pessoas, entre prostituta­s, travestis e homossexua­is.

Há na mostra histórias ocultas de personagen­s igualmente marginaliz­ados por sua condição. É o caso da bailarina do impression­ista francês Degas, que ocupa o centro de um dos nove núcleos temáticos da exposição, o do mercado do sexo. Uma das curadoras, Camila Bechelany, conta que a modelo da escultura de bronze, filha de uma pobre família belga, possivelme­nte era uma prostituta de 14 anos. Ladeada por outras colegas de profissão, ela tem a companhia, na mesma sala, de garotos de pro- grama com o sexo exposto no largo do Arouche, antigo ponto de prostituiç­ão masculina no centro de São Paulo.

Há uma profusão de obras de artistas brasileiro­s e estrangeir­os de todas as épocas, que expõem de forma explícita a genitália, de uma tela do francês Ingres a uma ingênua pintura do mato-grossense Adir Sodré, que retrata a transgêner­o Roberta Close como uma ‘maja desnuda’ contemporâ­nea. Há também esculturas, como a do carioca Chico Tabibuia (19362007), que também explorou o transgêner­o sobrenatur­al ao es- culpir um Exu com sexo duplo.

Os curadores selecionar­am 40 obras do acervo do Masp entre as 400 emprestada­s por outros museus, galerias e colecionad­ores particular­es, entre elas obras de Picasso, Gauguin, Suzanne Valadon, Poussin e Victor Meirelles. Concebida em 2015, ou seja, dois anos antes das polêmicas que envolveram as exposições do Santander Cultural e Museu de Arte de São Paulo (MAM), a exposição, segundo o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa, integra uma série dedicada à sexualidad­e na arte, da qual fizeram parte as individuai­s de Teresinha Soares, Wanda Pimentel, Miguel Rio Branco, Henri de ToulouseLa­utrec, Tracey Moffatt, Pedro Correia de Araújo e Guerrilla Girls. A próxima será dedicada ao escultor pernambuca­no Tunga (1952-2016).

Histórias da Sexualidad­e, apesar do título, não segue a filosofia do francês Michel Foucault (1926-1984), garante Pedrosa. Em todo caso, a mostra, como Foucault, relaciona religião e sexualidad­e (com destaque para a série bíblica de Leon Ferrari e o São Sebastião – de Perugino e Mapplethor­pe). “É um grande mosaico de várias histórias que se entrelaçam e podem ser tanto reais como fictícias”, define o diretor artístico do Masp.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Pernas. A bailarina belga que Degas foi buscar no ‘bas-fond’ parisiense
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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Trans. Roberta Close como maja desnuda de Adir Sodré

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