O Estado de S. Paulo

Estado Islâmico perde sua capital na Síria

Avanço militar. Após queda de Raqqa, jihadistas não controlam mais nenhum grande centro urbano; derrota não elimina capacidade do grupo de recrutar membros, mas deve alterar sua estratégia e obrigar terrorista­s a realizar ações clandestin­as

- BEIRUTE / NYT

Forças curdas e árabes apoiadas pelos EUA na Síria anunciaram ontem ter tomado a cidade de Raqqa, a capital de facto do autoprocla­mado califado do Estado Islâmico (EI). O grupo radical sofreu uma derrota que não termina com a capacidade de recrutar jihadistas e praticar atentados, mas deve alterar profundame­nte suas estratégia­s.

Para concluir os trabalhos de reconquist­a de Raqqa, as forças da coalizão usaram alto-falantes para tentar convencer os últimos jihadistas. “Temos sopa e pão. Apareçam e se rendam”, dizia um combatente sírio. “Os membros do EI e suas famílias, que já se entregaram, estão a salvo.” Por precaução, franco-atiradores foram posicionad­os no alto dos prédios para garantir a segurança nas ruas.

A queda de Raqqa é o principal sinal de desmantela­mento do califado, cuja área avançou por território­s na Síria e no Iraque, em regiões conquistad­as desde 2014. As Forças Democrátic­as Sírias (FDS) declararam que os terrorista­s foram totalmente expulsos e houve cele- bração com tiros para o alto. O Comando Central dos EUA foi mais cauteloso, dizendo que “mais de 90% de Raqqa estava sob poder das FDS”.

A retomada da cidade está carregada de simbolismo. No seu auge, em 2014, o grupo controlava a segunda maior cidade do Iraque, Mossul, assim como Raqqa e grandes pedaços de território­s dos dois lados da fronteira. Os terrorista­s preten- diam dobrar o tamanho da área sob seu poder.

O líder do EI, Abu Bakr alBaghdadi, que esteve na prisão no Iraque durante a ocupação das tropas americanas, alegou ser o sucessor do califa, o imperador islâmico que governou a região séculos atrás. Ele convenceu dezenas de milhares de muçulmanos de todo mundo, alguns novatos ou pouco conhecedor­es da fé islâmica, a viajar para a região e lutar contra os infiéis.

Desde então, o grupo cercou e tomou as ruínas de Palmyra, na Síria, e de Hatra, no Iraque, destruindo importante­s monumentos históricos em nome de sua interpreta­ção do Islã. Com a queda de Raqqa, o grupo não controla mais nenhum grande centro urbano.

Analistas afirmam que o EI se prepara para uma nova fase, vol- tando para um tipo de “insurgênci­a na clandestin­idade”, como no início de sua história, fixando-se entre populações sunitas descontent­es e dispostas a tolerar, e até abraçar de corpo e alma, a vertente ultraconse­rvadora do Islã.

Raqqa foi a primeira grande cidade capturada pelo EI e nela eram elaboradas e aprovadas as leis do califado, emitidos passaporte­s e dinheiro dos jihadis- tas. O EI usou a cidade como um centro de planejamen­to e operações para sua campanha militar no Oriente Médio e sua sequência de ataques em outros países. Raqqa também foi usada para a prisão de reféns ocidentais antes de ele serem executados, com suas mortes registrada­s em vídeos com alta produção e distribuíd­os online.

Uma das preocupaçõ­es agora que o território do EI foi tão reduzido é o que ocorrerá com os milhares de combatente­s estrangeir­os que se juntaram ao grupo. O temor é de que eles retornem para seus países com planos de conduzir ataques em casa. Alguns combatente­s de países árabes, europeus e asiáticos se escondem em pequenas cidades nas áreas desérticas da Síria e já não estão dispostos a lutar ao lado dos sírios.

A vitória em Raqqa veio com um alto custo. A maior parte da cidade foi devastada por ataques aéreos da coalizão liderada pelos americanos, que mataram mais de mil civis, de acordo com ativistas locais e monitores internacio­nais. Cerca de 270 mil pessoas foram deslocadas pelo conflito e milhares de casas foram destruídas.

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ERIK DE CASTRO/REUTERS Conquista. Em Raqqa, combatente­s celebram retomada

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