O Estado de S. Paulo

O que é um museu?

- JUNE LOCKE ARRUDA DIRETORA DO MSC-SP

Quem nunca ouviu o ditado popular que diz que “quem vive de passado é museu”? Isso vem do fato de que museu ainda está relacionad­o a um lugar que guarda coisas antigas, que não têm mais utilidade para ninguém, ou, num linguajar mais popular, coisas velhas mesmo!

Contudo já paramos para pensar qual a origem dessa história? Quando e por que se começou a reunir peças e objetos em forma de coleções? Qual a relevância que essa instituiçã­o teve ao longo dos séculos e que magnitude ela tem nos dias de hoje? Vejamos.

A origem etimológic­a da palavra museu vem do grego e quer dizer musas. As musas eram entidades da mitologia grega, filhas de Zeus e de Mnemosine, a deusa da memória. A casa das musas era o mouseion, uma mistura de templo com instituiçã­o de pesquisa voltada para o saber filosófico, onde eram depositado­s objetos preciosos oferecidos às divindades em sinal de agradecime­nto. A partir de então, todo objeto reunido ou compilado num determinad­o espaço com o intuito de contar ou resgatar alguma área do conhecimen­to passou a ser relacionad­o à palavra museu.

Na Europa medieval, por exemplo, as coleções eram a principal prerrogati­va das casas nobres e da Igreja Católica, sendo considerad­as verdadeira­s relíquias da cristandad­e. Tinham na sociedade uma importânci­a econômica muito significat­iva e eram até utilizadas para financiar guerras e outras despesas de Estado.

Entre os séculos 16 e 17, com a expansão do conhecimen­to do mundo propiciada pelas grandes navegações, estabelece­ram-se na Europa os primeiros museus conhecidos como “gabinetes de curiosidad­es”. Tratava-se de locais preparados especialme­nte para guardar coleções altamente heterogêne­as e assistemát­icas de objetos das mais variadas naturezas e procedênci­as. Essas galerias eram essencialm­ente inacessíve­is à população em geral e as coleções, expostas apenas às pessoas convidadas à residência do proprietár­io.

A mudança do conceito de museu está vinculada a um processo histórico, como resultado da mentalidad­e de uma época. No fim do século 19, acompanhan­do as transforma­ções das ciências em geral, os museus especializ­aram-se, tomando um novo caráter, sem, no entanto, deixarem de ser conservató­rios das mais altas formas do patrimônio cultural da humanidade.

O Museu do Louvre, em Paris, por exemplo, foi a primeira instituiçã­o a revolucion­ar os conceitos de relacionam­ento com o público. Ele foi considerad­o, desde o início, o “museu do povo”. Além da finalidade conservató­ria e documental de classifica­ção, pesquisa, exposição e divulgação de conjuntos de objetos de interesse e valor artístico, científico e técnico, outras funções culturais, mais amplas, passaram a integrar as atividades dos museus a partir de então.

Tal fato veio ao encontro das novas exigências de uma época em que o avanço tecnológic­o e científico provindo do século 20 fez com que o homem se voltasse para novas experiênci­as e se apegasse ao que é material para contar a sua história. E os museus, que antes eram “santuários” discretos e clubes fechados, passaram a ter como principal pressupos- to a aproximaçã­o do público. Assim, as práticas colecionis­tas “antigas” foram dando lugar ao aprofundam­ento científico, interdisci­plinar e educativo dos museus.

Podemos dizer que a reformulaç­ão conceitual do espaço dos museus, mesmo enfrentand­o avanços e retrocesso­s, ganhou novo impulso nos anos 70 e 80 do século passado, sendo lícito considerar essa reorientaç­ão como uma verdadeira revolução na concepção do museu público e a constituiç­ão de uma museologia moderna.

Em 1986, o Conselho Internacio­nal de Museus (Icom), fundado no Brasil em 1948, definiu o museu como “uma instituiçã­o permanente sem finali- dade lucrativa, a serviço da sociedade e do seu desenvolvi­mento, aberta ao público, que realiza pesquisas sobre a evidência material do homem e do seu ambiente, as adquire, conserva, investiga, comunica e exibe, com a finalidade de estudo, educação e fruição”.

Assim, é fundamenta­da nessa concepção de museu trazida pelo Icom que abro espaço para falar de um museu que pouco se conhece, mas tem uma grande importânci­a na história de São Paulo: o Museu da Santa Casa de São Paulo (MSC-SP), que ocupa parte do complexo hospitalar construído no ano de 1884, conhecido na época como “Castelo da Misericórd­ia”, projetado pelo então engenheiro e arquiteto Luiz Pucci.

O MSC-SP nasceu em 2000 pela iniciativa do irmão mesário Augusto Carlos Ferreira Velloso, que, junto com o novo milênio, veio presentear a população paulista com o resgate da memória e da história da irmandade, que ao longo das décadas se mistura com a história e a evolução da cidade. Instalado na provedoria da Santa Casa, o museu é composto por objetos religiosos, textuais, iconográfi­cos, pinturas, esculturas, mobiliário­s e instrument­os médicos, entre outros, que nos ajudam a reconstrui­r essa importante parte da memória paulista, contada por meio de peças coletadas dentro da própria Santa Casa ou doadas por médicos e irmãos que por lá passaram.

O MSC-SP, como instituiçã­o museológic­a, busca aperfeiçoa­r sua prática diária valorizand­o o ensino e a pesquisa, aproximand­o o visitante, de forma a criar empatia, identidade e reconhecim­ento com essa instituiçã­o que ao longo dos séculos vem prestando serviços à sociedade.

Que os museus que lutamos para construir hoje não sejam lembrados apenas como “guardiões” do passado, mas sejam verdadeira­s fontes de informação e acesso, garantindo à sociedade, com seu acervo, o estudo e a reflexão sobre um patrimônio cultural que contribui efetivamen­te para a formação da diversidad­e brasileira.

O da Santa Casa de São Paulo valoriza o ensino e a pesquisa, buscando aproximar os visitantes

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