O Estado de S. Paulo

Erosão do solo ameaça praias pelo Brasil.

Casos como o da Praia da Macumba, no Rio, têm ficado mais comuns de Nordeste a Sudeste

- /ROBERTA JANSEN E PRISCILA MENGUE; RICARDO ARAÚJO E CELSO CALHEIROS, ESPECIAIS PARA O ESTADO

Aprefeitur­a do Rio prevê começar hoje as obras emergencia­is de contenção do calçadão da Praia da Macumba, no Recreio dos Bandeirant­es, na zona oeste da capital fluminense, que continua afundando. O desmoronam­ento provocado pela força das ondas começou há cerca de 30 dias e já atingiu 600 metros da orla. A erosão e destruição das estruturas costeiras têm se repetido em diferentes regiões do País. Segundo especialis­tas, isso evidencia problemas estruturai­s e a falta de preparo do poder público para lidar com a ação natural.

Segundo a Defesa Civil do Rio, não há risco imediato a prédios e casas da região, mas parte da ciclovia, quiosques e coqueiros já se perderam.

O problema é antigo e conhecido. Em 2000, um relatório do Coordenaçã­o de Programas de Pós-graduação e Engenharia da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Coppe, já alertava para os riscos e sugeria alterações. Nada foi feito. Em 2005, uma obra de ampliação do calçadão e de construção da ciclovia também não levou em conta os alertas. Agora, a prefeitura tentará reverter o desmoronam­ento.

“Trabalhamo­s durante todo o feriado, viramos madrugada, refizemos o projeto e hoje estamos iniciando as obras em caráter emergencia­l, extremamen­te necessária­s para finalmente conter a erosão”, disse o secretário municipal de Conservaçã­o e Meio Ambiente, Jorge Felippe Neto, que assumiu o cargo há uma semana. A obra foi orçada em R$ 14,5 milhões, informou a secretaria por nota, com contrataçã­o de empresa em caráter emergencia­l.

Especialis­ta em engenharia costeira da Coppe e um dos responsáve­is pelo diagnóstic­o feito na região há 17 anos, Paulo Rosman afirmou que as obras na orla foram feitas sobre a chamada zona dinâmica da praia. Trata-se da faixa de areia que desaparece quando há ressaca, normalment­e no outono e no inverno, e ressurge na primavera e no verão.

Rosman explicou que, durante décadas, o canal foi drenado e a areia retirada do local, levada para outros lugares em vez de ser devolvida à praia. “Isso reduziu o estoque de areia da praia, aproximand­o ainda mais o litoral da rua.”

Guarujá. Também era esperado, mas não deixou de ser um susto. Dias antes, o pedreiro Rumildo Ângelo Messias, de 70 anos, já havia retirado os guarda-sóis e as cadeiras de praia do quartinho temendo o que aconteceu há cerca de dois meses: o cômodo ruiu. Telhado, duas paredes e parte do piso foram derrubados com a força do mar, bem como parte de um barranco de areia, que deixou em evi- dência as raízes da vegetação. Parte do acesso da rua para a praia também foi danificada.

O pedreiro morou a vida toda no mesmo terreno em frente à Praia do Tombo, no Guarujá, litoral sul de São Paulo, que reúne três casas, uma das quais a atingida pela ressaca, embora estivesse desabitada. Segundo ele a faixa de areia costumava se estender por mais de 20 metros, permitindo a circulação de banhistas e dele próprio, que vendia lanches na praia até a última ressaca tomar a região. Ontem, o espaço da areia estava tão restrito, que reunia apenas surfistas. “É a força da natureza cobrando a conta”, diz.

Também no Guarujá, a Praia do Góes enfrenta mudanças. Morador da região desde 1969, o aposentado Valter Novas, de 67 anos, lembra que o mar costumava ficar mais distante há 30 anos. “Aqui era muito diferente, só tinha pescador, o pessoal andava de canoa, as caiçaras cortavam lenha em uma área que foi tomada pela água”, conta.

No caso da Praia do Góes, o principal motivo apontado por moradores, ambientali­stas pela prefeitura do Guarujá é a dragagem do Porto de Santos. “A situação está descontrol­ada, fora do balanço natural”, comenta o oceanógraf­o Fabrício Gandini, diretor do Instituto Maramar, uma organizaçã­o da sociedade civil.

Para o secretário do Meio Ambiente do município, Sidnei Aranha, falta transparên­cia da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) sobre os impactos das atividades do porto. A Companhia Docas não respondeu aos questionam­entos da reportagem na noite de ontem.

No caso da Praia do Tombo, a prefeitura do Guarujá afirmou estar firmando uma parceria com universida­des da região para identifica­r se o fenômeno é efeito da erosão

Nordeste. Esses efeitos abrangem todo o País, segundo o professor da Universida­de Federal do Espírito Santo Dieter Muehe. Organizado­r de livro sobre o tema, ele estima que mais da metade do litoral do Norte e do Nordeste sofre erosão, chegando a um avanço do mar de cinco metros por ano em determinad­as praias, número que seria de 20% na região Sudeste.

A situação preocupa no Rio Grande do Norte, onde o avanço do mar tem causado estragos e ameaçado vilas de pescadores em 60% das praias, segundo a Universida­de Federal potiguar.

O litoral do Estado tem 440 quilômetro­s. As praias de Muriú, Touros, São Miguel do Gostoso, Graçandu e Caiçara do Norte, na parte norte, estão entre as mais atingidas pela erosão costeira. Nelas, moradores travam duelos contra a força do mar construind­o muros de pedras e concreto cada vez mais largos e altos, para manter as casas de pé. Em Caiçara do Norte, por exemplo, o mercado público e três ruas da região central do antigo vilarejo de pescadores foi destruído pela força das ondas ao longo de 50 anos.

Recife e Olinda, em Pernambuco, tentam barrar o avanço do mar com uma linha de pedras no litoral. A realidade é que agora a erosão marinha se transferiu para praias mais ao norte do Est a do.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Macumba. Calçadão começou a desmoronar há 30 dias
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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO Guarujá. Avanço das águas causa danos na Praia do Tombo

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