O Estado de S. Paulo

De Madri, elas mantêm a revolução

Quarteto espanhol Hinds toca em São Paulo e no Recife e bebe da fonte de grupos que reergueram as guitarras

- Pedro Antunes

“Ai, obrigada”, diz, em inglês, a madrilenha Ade Martín, ao ouvir, pelo telefone, que o papo com o Estado seria sobre música, não necessaria­mente a respeito do fato de que a Hinds, a banda indie mais cool da Espanha atualmente, é formada por quatro mulheres – em quase todas as entrevista­s, principalm­ente no começo de carreira, esse era o principal tema do papo. “Era algo comum, mesmo”, ela lembra. O Hinds quer ser lembrado como banda e pelo som que produz, mais do que pela sua formação e não pelo gênero das suas integrante­s.

Prestes a vir ao Brasil pela primeira vez, Ade, originalme­nte guitarrist­a transforma­da em baixista para integrar o Hinds, se mostra curiosa sobre os locais das duas apresentaç­ões do grupo pelo Brasil. Nesta sextafeira, 20, elas tocam no Sesc Pompeia, e, no dia seguinte, sábado, aterrissam no Recife para integrar a programaçã­o do festival No Ar Coquetel Molotov, ao lado de atrações como Arnaldo Baptista e Linn da Quebrada e os norte-americanos do DIIV. “Uma amiga minha que mora em São Paulo, muito próxima do local do nosso show, disse que é bem histórico”, conta. “Estamos bastante ansiosas para estar aí e tocar para vocês.”

Formada em 2011, o Hinds tinha outro nome, chamava-se Deers, e era formado apenas por Carlotta Cosials e Ana García Perrote, ambas vocalistas e guitarrist­as. Depois de uma breve pausa, em 2013, as duas reformaram a banda, convocaram Ade e a baterista Amber Grimbergen. “Vivemos todas em Madri. Era questão de tempo até que nós nos encontráss­emos. Frequentáv­amos as mesmas festas, os mesmos bares, ouvíamos as mesmas músicas”, explica a, agora, baixista.

Logo que ressurgira­m como quarteto, passaram a colecionar elogios de veículos especializ­ados, tal qual a NME, semanário musical tradiciona­l do Reino Unido, conhecida por ajudar a construir o hype sobre bandas ainda desconheci­das – como fez com os Strokes, quando ainda eram desconheci­dos em Nova York, a cidade dos garotos de jaquetas de couro e calças jeans rasgadas, em 1999. Alçadas ao posto de novas revelações do indie rock, as garotas preferiam colocar os pés de volta no chão.

Deixaram suas casas e a capital da Espanha e rumaram a Cádiz, cidadezinh­a da Isla de León, no sul do país. Lá, o produtor escolhido para a gravação do primeiro disco delas, o mexicano chamado Paco Loco, residia e mantinha seu estúdio. “E isso foi ótimo para nós”, lembra Ade. “Eram dias de verão, quentes. E nós ficávamos isoladas de tudo, não havia distrações”, conta. O resultado foi Leave Me Alone, o disco de estreia do Hinds, um álbum com título forte, inspirado nas bandas que ajudaram a construir a revolução guitarríst­ica na virada do século, liderada pela já citada banda de Julian Casablanca­s. Um título petulante, com aquele gostinho da rebeldia da juventude, como visto em discos como o petardo Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, de 2006, do Arctic Monkeys, cujo nome pode ser traduzido como “o que quer que as pessoas digam que eu sou, não sou”.

“É um recado à indústria, mesmo”, explica a baixista. O título, é bom dizer, em nada se relaciona com o conteúdo das canções do Hinds, cuja temática passeia pelos sorrisos e dores das relações entre duas pessoas – sempre em inglês. “Era algo que gostaríamo­s de dizer para todos ( risos). Entenda: nenhuma de nós quatro sabia algo sobre esse mercado da música e, de repente, estávamos soterradas. Tínhamos selos, gravadoras, gente perguntand­o como estavam as gravações, isso ou aquilo. Estávamos dizendo: ‘Deixe-nos fazer o nosso trabalho?’. E fomos atrás de bandas das quais gostávamos para i nspir aç ã o. O Arcti c Monkeys é uma delas.”

Com idades entre 21 e 26 anos, as Hinds eram adolescent­es quando a guitarra voltou à moda, suja e desleixada. Integram uma geração de músicos que descobriu o rock a partir das bandas que brilharam em Nova York no início dos anos 2000 e, a partir disso, seguiram na busca pelas referência­s musicais desses grupos. Assim, descobrira­m Sonic Youth e Velvet Undergroun­d, que também marcaram suas épocas e a cidade norte-americana.

Ao descobrir que Casablanca­s, o líder do Strokes, estará em São Paulo nesta quarta, 18, com o projeto The Voidz, Ade mostrou desapontam­ento. “É sério isso? Queria tanto vê-lo”, ela diz, antes de anunciar que chegará na quinta. “Os Strokes eram os nossos heróis. Com eles, iniciamos tudo.” Embora o grupo de garage rock pareça ter perdido as suas forças para manter um legado forte, novos grupos surgem para carregar a tocha do garage rock adiante. O Hinds é um deles – e um novo disco, o segundo, sairá no ano que vem. “Estamos mais seguras”, ela promete.

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CJ HARVEY Las chicas. Passeios pelos sorrisos e dores das relações entre duas pessoas

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