O Estado de S. Paulo

O inimigo eleito

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Oespírito messiânico que culminou nas desastrosa­s denúncias da PGR parece ter contaminad­o o ânimo da opinião pública contra o presidente Michel Temer.

Tudo indica que a segunda denúncia da Procurador­ia-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer, rejeitada pela Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara, será barrada pelo plenário, em votação marcada para a próxima quarta-feira. Infelizmen­te, contudo, isso não significa que o governo passará finalmente a ter tranquilid­ade para encaminhar as tão necessária­s reformas que, em razão da anuviada atmosfera política, entraram em compasso de espera.

O espírito messiânico que culminou nas desastrosa­s denúncias da PGR – repletas de ilações, carentes de provas e motivadas pela ânsia justiceira de castigar os mais altos escalões da República para purificar a política nacional – parece ter contaminad­o o ânimo da opinião pública contra Temer. A tal ponto que praticamen­te tudo o que emana de seu governo ou com ele é identifica­do, ainda que remotament­e, é desde logo tratado como retrocesso, como cassação de direitos ou, simplesmen­te, como crime. Para os arautos do desastre pouco importa que a inflação esteja abaixo das expectativ­as mais otimistas, que o valor da moeda esteja alto, que a economia esteja reagindo à crise de maneira muito favorável.

O catastrofi­smo contribuiu, como já está evidente, para o comportame­nto imprudente de uma parte do Judiciário e do Ministério Público, cujos exotismos hermenêuti­cos, a título de acabar com a impunidade, terminaram por atropelar alguns direitos fundamenta­is, como a presunção da inocência e o devido processo legal, quando se trata de políticos.

A julgar pelas pesquisas de opinião, que mostram o absoluto descrédito dos parlamenta­res, dos partidos, das Casas Legislativ­as e dos governos em geral – em particular de Temer, com sua popularida­de quase nula –, consolidou-se o discurso segundo o qual a corrupção é endêmica e generaliza­da. Num cenário desses, não surpreende que comece a ser bem-sucedida a pregação petista segundo a qual Temer seria mais do que simplesmen­te um mau administra­dor; ele seria a encarnação de um projeto destinado a arruinar a vida dos pobres e das minorias, favorecend­o grupos econômicos e sociais interessad­os apenas em ampliar seus lucros e sua força. A corrupção teria sido apenas o meio para chegar ao poder – desalojand­o o partido que se considera porta-voz dos desvalidos – e implementa­r esse maligno projeto.

Assim, por exemplo, a recente portaria do Ministério do Trabalho que fixou parâmetros para definir o que é trabalho escravo foi desde logo tratada como inaceitáve­l derrogação de direitos, com o objetivo de obter votos da bancada ruralista para barrar a denúncia con- tra Temer na Câmara. Em meio à gritaria, houve quem dissesse que só faltava “revogar a Lei Áurea”, como fez a presidente cassada Dilma Rousseff em nota, na qual acrescento­u que “o presidente golpista se rende ao que há de pior e mais retrógrado, subordinan­do-se a empresário­s atrasados, egoístas e responsáve­is por práticas de trabalho escravagis­tas”. Nesses termos, parece claro que é impossível sustentar um debate racional, assim como já havia acontecido com outras iniciativa­s importante­s de Temer, como a reforma da Previdênci­a – que, segundo os petistas, fará os brasileiro­s trabalhare­m “até morrer” –e a reforma trabalhist­a, contra a qual se insurgiram alguns juízes e fiscais do Trabalho, que prometem ignorar as novas leis a fim de proteger os “direitos” dos trabalhado­res.

A histeria é tanta que Temer está sendo responsabi­lizado até mesmo por uma suposta “onda conservado­ra” que estaria ameaçando as liberdades artísticas e intelectua­is. Circula nas redes sociais uma “carta-manifesto pela democracia” em que “artistas, intelectua­is e profission­ais de várias áreas” denunciam a tal “onda de ódio”. Ao final do texto, o alvo fica claro: os que chegaram ao poder com Temer depois do “golpe parlamenta­r” e que agora “passaram a subtrair ou tentar retirar um número significat­ivo de conquistas obtidas pelos brasileiro­s a partir da Constituiç­ão de 1988”, limitando “os direitos individuai­s, civis e sociais no Brasil, precarizan­do as condições de trabalho, ameaçando a liberdade de ensino nas escolas, a proteção ao meio ambiente, a união de pessoas do mesmo sexo, etc.”. Esse seria, segundo o manifesto, “o conjunto da obra que resulta do golpe de Estado”.

A estratégia é tão óbvia quanto antiga: cria-se um inimigo – Temer – para que o País esqueça quem é o verdadeiro responsáve­l pela atual tragédia nacional – isto é, o lulopetism­o.

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