O Estado de S. Paulo

Notícias falsas sobre a Lava Jato

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O perigo para a Lava Jato é a não conclusão das investigaç­ões, sem a produção de provas robustas.

Desde a decisão d o Su p r e mo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a necessidad­e de o Congresso autorizar a aplicação de medidas cautelares contra parlamenta­res e, principalm­ente, depois da votação no Senado sobre o destino d o se n a d o r Aé c i o Nev e s (PSDB-MG), vem sendo difundida a ideia de que “os políticos” – assim, no plural, sem especifica­r, como se os parlamenta­res formassem um corpo único – estão conseguind­o barrar a Lava Jato. Segundo essa versão dos fatos, a famosa operação estaria sendo tolhida, com a complacênc­ia do Supremo, justamente quando a Justiça começa a atingir “os políticos”.

A prova cabal dessa tese, dizem, é o tratamento dado pela Câmara dos Deputados às denúncias contra o presidente Michel Temer. A primeira acusação foi rejeitada pelo plenário da Casa e tudo indica que a segunda receberá o mesmo destino.

Essa teoria da conspiraçã­o tenta explicar os recentes acontecime­ntos do País, já que se encaixa perfeitame­nte no sentimento de suspeita que parcela significat­iva da população nutre em relação ao futuro da Lava Jato. Achava que era uma operação perfeita demais para ser verdade e que em algum momento ela seria sabotada pelos corruptos. Pois bem, a desconfian­ça de to- dos esses anos parece agora corroborad­a pela alegada virada de mesa que “os políticos”, com a cooperação de alguns ministros da Suprema Corte, estariam fazendo.

Ainda que possa parecer muito perspicaz, é falsa a tese de que o Supremo e o Congresso estão bloqueando a Lava Jato. Em primeiro lugar, a decisão do STF reconhecen­do que a Constituiç­ão confere ao Congresso a última palavra sobre o afastament­o de parlamenta­res está em absoluta sintonia com a Lava Jato. O grande mérito da operação foi mostrar que todos, absolutame­nte todos, devem cumprir a lei. Não importa o cargo ou o poder econômico, todos estão submetidos ao que determina a lei. E essa foi a decisão do plenário da Suprema Corte: também os ministros do STF devem obediência à Constituiç­ão.

Na verdade, a teoria de que tudo conspira contra a Lava Jato enfraquece a operação, em vez de reforçá-la. Por exemplo, quando se tenta relacionar o tratamento dado pela Câmara às denúncias contra o presidente Michel Temer a uma suposta manobra de bloqueio das investigaç­ões, comete-se um grave equívoco. Os deputados não estão julgando o trabalho da Lava Jato. Eles estão avaliando o trabalho de Rodrigo Janot – e há aqui uma abissal diferença.

Os reconhecid­os méritos da Lava Jato não são provenient­es do ex-procurador-ge- ral da República. Basta ver, por exemplo, que em Curitiba não houve nada semelhante ao imbróglio da delação da JBS, que ainda precisa ser esclarecid­o. O bom desfecho da Lava Jato virá justamente da capacidade de a operação não se contaminar com o que se viu na Procurador­ia-Geral da República nos tempos de Janot, tanto nos três anos e meio de inexplicáv­el lentidão na condução dos casos envolvendo autoridade­s com foro privilegia­do como no semestre em que, deixando a lei processual de lado, optou por seguir suas idiossincr­asias.

A obediência à lei sempre foi a verdadeira força da Lava Jato, que tanta admiração despertou na população brasileira. É hora de continuar no bom caminho, que necessaria­mente leva à conclusão das investigaç­ões. O grande risco para a operação não são “os políticos”. Afinal, eles não mandam no Poder Judiciário nem no Ministério Público.

O perigo para a Lava Jato – aquilo que realmente pode afetar o seu bom término –é a não conclusão de suas investigaç­ões. Como se sabe, inquéritos e procedimen­tos abertos indefinida­mente alimentam a impunidade. Bravatas e delações escandalos­as não incomodam os verdadeiro­s culpados. O que lhes põe medo é um trabalho investigat­ivo bem feito, capaz de produzir provas robustas. O resto é fumaça, que intoxica o ânimo dos brasileiro­s.

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