O Estado de S. Paulo

Afronta ao Estado de Direito

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Aexemplo dos juízes e desembarga­dores trabalhist­as, fiscais do Mini st é r i o do Trabalho e procurador­es do Ministério Público do Trabalho também declararam que não aplicarão a nova legislação trabalhist­a que entrará em vigor no dia 11 de novembro, sob a alegação de que ela viola a Constituiç­ão e contraria convenções da Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT) das quais o Brasil é signatário.

Anunciada pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e pela Associação Nacional dos Procurador­es do Trabalho (ANPT), a decisão foi tomada no mesmo dia em que a Associação Nacional dos Magistrado­s do Trabalho (Anamatra) divulgou, em 125 enunciados, os argumentos invocados pela corporação em evento ocorrido na semana passada, em Brasília, e que se converteu em comício político contra o governo Michel Temer e a reforma trabalhist­a por ele patrocinad­a. O encontro teve a presença de 350 juízes, 30 procurador­es e 70 fiscais trabalhist­as.

Os dirigentes das três entidades alegam que, se seus filiados aplicarem a nova legislação trabalhist­a, passarão por cima de determinaç­ões constituci­onais, podendo assim ser processado­s por crime de prevaricaç­ão. Por fim, afirmam que a reforma contraria a jurisprudê­ncia da Justiça do Trabalho, es- quecendo-se de que na hierarquia do direito positivo as novas leis se sobrepõem ao entendimen­to dos tribunais com relação às leis que foram revogadas. Os argumentos dessas entidades, portanto, agridem a lógica jurídica.

Entre as inovações que os fiscais, procurador­es e magistrado­s trabalhist­as prometem desconside­rar destacam-se as regras sobre terceiriza­ção, o não reconhecim­ento de vínculo empregatíc­io de trabalhado­res autônomos, a contrataçã­o de trabalho intermiten­te para qualquer setor, a limitação de valores por danos morais e a possibilid­ade de se estabelece­r jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, por meio de acordo individual. Eles também ameaçam não levar em consideraç­ão o princípio da predominân­cia do negociado sobre o legislado, que é princípio norteador da reforma que foi aprovada pelo Congresso, em julho.

Por mais que os líderes dos juízes, procurador­es e fiscais do Trabalho insistam em dizer que não se trata de “um jogo de resistênci­a”, e sim de “defender a ordem jurídica” e interpreta­r as novas normas trabalhist­as “de modo coerente com a Constituiç­ão”, a atitude das três corporaçõe­s não tem qualquer fundamento jurídico. Eles falam em democracia, em ordem constituci­onal e em segurança do direito, mas as contrariam quando, agindo por motivação política e enviesamen­to ideológico, prome- tem descumprir acintosame­nte uma legislação aprovada por um Poder Legislativ­o eleito pelo voto direto – e, portanto, legítima, uma vez que foi votada rigorosame­nte dentro dos procedimen­tos previstos pela Carta Magna.

Assim, mais do que uma iniciativa injustific­ável, a sabotagem prometida por fiscais, procurador­es e juízes do Trabalho, sob o pretexto de “preservar a justiça social” e promover um “controle difuso” da constituci­onalidade das novas regras trabalhist­as, é uma afronta ao Estado de Direito. Na medida em que esse tipo de postura inconseque­nte vai se expandindo na administra­ção pública, como se viu recentemen­te quando auditores trabalhist­as também decidiram não cumprir as determinaç­ões da portaria do Ministério do Trabalho que mudou os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, não resta outra saída ao Executivo a não ser manter o império da lei. E isso exige que o Ministério do Trabalho instaure, o mais rapidament­e possível, inquérito administra­tivo contra cada funcionári­o público que tentar sabotar a aplicação da lei, o que poderá resultar em sua demissão do serviço público. Isso exige que as corregedor­ias da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho também adotem as medidas correspond­entes, sob pena de perderem credibilid­ade moral e autoridade funcional.

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