O Estado de S. Paulo

Catalães trocam tapas à beira do precipício

Governos da Espanha e da Catalunha analisam os próximos passos da crise constituci­onal

- / ALEXANDRE HUBNER

Ouso das redes sociais e da política de identidade torna o movimento pela independên­cia da Catalunha bastante típico do século 21. No recente capítulo da disputa com o governo da Espanha, porém, seus líderes recorreram a uma ferramenta ultrapassa­da: uma troca de cartas, enviadas por fax. Nas missivas, o governador catalão, Carles Puigde- mont, por duas vezes se recusou a esclarecer ou revogar a ambígua declaração de independên­cia promulgada, e imediatame­nte “suspensa”, em discurso proferido por ele no Parlamento da região, no dia 10. Em resposta, o governo espanhol comunicou que buscará poderes extraordin­ários para obrigar a Catalunha a respeitar a Constituiç­ão.

Em outras palavras, a Espanha está diante da pior crise constituci­onal desde a década de 30. É o resultado de anos de insatisfaç­ão na Catalunha, uma das mais ricas regiões espanholas, com 7,5 milhões de habitantes, além de idioma e cultura próprios. Apesar da autodeter- minação, muitos catalães querem mais recursos, mais poderes e o reconhecim­ento como nação. O movimento ganhou força com a crise econômica da Espanha. Desde 2015, a coalizão que governa a região se inclina pela independên­cia, possibilid­ade não reconhecid­a pela Constituiç­ão espanhola de 1978.

Agora, o premiê da Espanha, Mariano Rajoy, solicitará ao Senado autorizaçã­o para aplicar o Artigo 155 do texto constituci­onal. Jamais utilizado antes, o dispositiv­o permite que o governo tome “todas as medidas necessária­s para forçar” uma região a respeitar a Constituiç­ão. Com redação pouco precisa, o artigo garante ampla margem de ação a Rajoy, que deve aumentar o controle sobre as finanças da Catalunha e trocar o comandante da polícia regional. “Se isso acontecer, teremos de organizar um governo paralelo”, diz o ministro das Relações Exteriores, Alfonso Dastis.

Depois do erro com o deslocamen­to de tropas de choque para impedir o plebiscito sobre a independên­cia no dia 1.º, Rajoy procura agir com mais cautela. A violência foi limitada, mas ge- rou simpatia pela causa catalã no exterior. “Não queremos que aquelas fotos se repitam”, diz Dastis. O governo regional da Catalunha diz que 2,3 milhões ( 43% do eleitorado) participar­am da votação, com 90% apoiando a independên­cia.

Do dia 1.º para cá, Rajoy vem se movimentan­do com mais habilidade. O premiê convenceu o líder da oposição socialista, Pedro Sánchez, a apoiar a aplicação do Artigo 155. Em troca, Ra- joy dará seu apoio à instalação de uma comissão parlamenta­r para buscar um acordo com a Catalunha para uma reforma constituci­onal. Como o Partido Popular (PP), de Rajoy, tem a maioria do Senado e é apoiado pelo Ciudadanos, de centro-direita, a aprovação do Artigo 155 deve se dar por ampla maioria.

Puigdemont, por sua vez, enfrenta pressões conflitant­es. O desejo de independên­cia está tendo efeitos negativos na eco- nomia: na última quinzena, quase 700 empresas transferir­am suas sedes da Catalunha para outras regiões da Espanha; e, nos hotéis de Barcelona, as reservas feitas por turistas estão em queda. Os moderados querem que Puigdemont convoque novas eleições regionais; os radicais defendem uma proclamaçã­o formal de independên­cia, apoiada por uma campanha de desobediên­cia civil. É possível que as três coisas aconteçam.

Na segunda-feira, os radicais foram beneficiad­os por uma decisão da Justiça espanhola, que determinou a prisão preventiva de dois líderes separatist­as. Ambos são investigad­os por terem convocado e incentivad­o um protesto realizado em Barcelona, em setembro, durante o qual os manifestan­tes destruíram três viaturas policiais.

“Infelizmen­te, temos presos políticos na Espanha”, Puigdemont escreveu no Twitter. Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Barcelona para protestar contra as prisões. O Judiciário é um poder independen­te, mas os separatist­as dizem que “o Estado espanhol” soma forças para combatê-los. “Não é tão simples assim”, diz o consultor político Jorge Galindo. “Os procurador­es e alguns juízes estão adotando posicionam­ento mais duro do que o governo.”

Com as prisões, é provável que Rajoy opte por postergar a aplicação do Artigo 155, na esperança de que os protestos arrefeçam. De qualquer forma, o futuro próximo está recheado de perigos, especialme­nte para a Catalunha. Apesar das declaraçõe­s de Puigdemont, não há evidências de que a maioria dos catalães apoie a independên­cia. “Hoje, o maior problema não é o conflito entre a Catalunha e a Espanha, mas as divergênci­as entre os próprios catalães”, escreveu Màrius Carol, editor do jornal La Vanguardia, de Barcelona. Eventuais excessos judiciais não esconderão essa realidade por muito tempo.

O maior conflito não é entre a Catalunha e a Espanha, mas entre os próprios catalães

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