O Estado de S. Paulo

Profissões ligadas ao investimen­to ainda estão no vermelho

Número de vagas com carteira assinada para engenheiro­s, contadores e administra­dores ainda é negativo

- Márcia De Chiara

O mercado de trabalho continua difícil para os profission­ais mais qualificad­os, com ensino superior, mestrado e doutorado, em profissões atreladas ao investimen­to, especialme­nte engenharia civil, administra­ção e contabilid­ade. A dificuldad­e persiste, apesar da reação que houve no emprego formal como um todo nos últimos meses.

De abril a agosto, entre contrataçõ­es e demissões, houve um saldo positivo de 175,4 mil vagas com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desemprega­dos (Caged). Mas a maioria dos postos é de baixa complexida­de e qualificaç­ão. Em saídas de crises, geralmente a retomada do emprego começa nos estratos menos qualificad­os.

“Não há nenhuma boa notícia de melhora qualitativ­a do mercado de trabalho”, afirma o economista-chefe da Confederaç­ão Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes. Em parceria com a economista Catarina Carneiro da Silva, da CNC, ele fez um levantamen­to, a pedido do Estado, para avaliar como anda a geração formal de empregos qualificad­os. A base de dados foi o resultado do Caged e da Relação Anual de Informa- ções Sociais (RAIS).

De uma lista com 25 profissões de nível superior com participaç­ão relevante no total de empregados, 16 geraram liquidamen­te vagas nesses cinco meses e ampliaram o estoque de contratado­s. Desse grupo de 16 profissões, a maioria está ligada a serviços essenciais, como saúde e educação. “Profissões que refletem o investimen­to, como engenharia, estão no vermelho, é preocupant­e”, diz Bentes.

Entre contrataçõ­es e demissões com carteira de trabalho, foram fechadas 1.221 vagas de engenheiro­s civis de abril a agosto deste ano. No auge da crise, em 2015 e 2016, foram eliminadas liquidamen­te 14.494 vagas. O engenheiro civil Reinaldo Chohfi Júnior, de 56 anos, faz parte desse grupo. A última vez que teve trabalho fixo foi em maio de 2015. A obra na qual ele trabalhava parou. De lá para cá o engenheiro, que no início de carreira chegou a trabalhar nos Estados Unidos com cálculo de estruturas metálicas, está fazendo bicos para sobreviver na área de informátic­a e vendas.

De 2014 até hoje, o total de engenheiro­s desemprega­dos no País chega a quase 50 mil, segundo a Federação Nacional dos Engenheiro­s (FNE). As contas foram feitas a partir dos saldos do Caged. Nunca houve tantos engenheiro­s desemprega­dos, quase 10% do total de profission­ais no mercado.

A maioria é de engenheiro­s civis, setor afetado pela paralisaçã­o das obras de infraestru­tura e investimen­tos, observa o pre- sidente em exercício da FNE, Carlos Bastos Abraham. Há no País cerca de 5 mil obras de infraestru­tura paradas. “Faltam investimen­tos para o setor voltar a contratar”, diz Abraham.

De acordo com o levantamen­to, a engenharia civil está na “lanterna” das profissões de nível superior, com saldo negativo de vagas entre abril e agosto. Só é superada pela profissão de administra­dor, com um saldo líquido negativo de 1.943 vagas no período. A profissão de con- tador, que é uma espécie de curinga – pode ser empregado em vários setores diferentes – também está entre as que mais sofrem com a crise.

Apesar da versatilid­ade, o contador Marcio Bidandi, de 45 anos, está sem emprego fixo desde outubro de 2015 e atualmente trabalha como motorista da Uber. “Meu currículo é bom, mas a crise está brava”, diz o contador. Ele conta que mandou inúmeros currículos e tem sido chamado para vagas inferiores à sua formação.

“Os saldos negativos no emprego de profissões mais qualificad­as é uma sequela da crise, principalm­ente num momento em que a economia tenta se reerguer sem usar a via do investimen­to”, observa Bentes.

Saúde.

Quem liderou a lista das profissões qualificad­as que mais geraram vagas entre abril e agosto foi a de enfermeiro, com um saldo de 3.866 postos de trabalho. Ocupações ligadas a setores básicos como saúde e educação puxaram as contrataçõ­es qualificad­as com carteira assinada no período, mostra o levantamen­to.

“Sentimos uma pequena recuperaçã­o nas contrataçõ­es de enfermeiro­s”, afirma Luciano Silva, membro do Conselho Federal de Enfermagem. Ele atribui a maior parte desse cresciment­o às mudanças nas regras do setor do que à retomada da economia.

Silva explica que, a partir deste ano, alguns procedimen­tos de enfermagem só podem ser realizados por enfermeiro­s com curso universitá­rio. Por isso, os hospitais tiveram que contratar mais profission­ais qualificad­os. Silva diz que há cerca de 400 mil enfermeiro­s inscritos no Conselho e o índice de desemprego da categoria gira em torno de 20%, muito superior ao registrado quatro anos atrás, quando estava em 5%.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Alternativ­a. O contador Marcio Bidandi é motorista da Uber
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Saída. O engenheiro civil Reinaldo Chohfi Júnior faz bicos

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