O Estado de S. Paulo

Lula e Dilma, indissociá­veis

- •✱ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Ainda às voltas com a saída do pavoroso atoleiro em que foi metido, o País se vê, agora, a menos de 12 meses de uma eleição presidenci­al que terá importânci­a crucial na configuraç­ão do seu futuro.

Com base em disputas presidenci­ais anteriores, não se pode descartar a possibilid­ade de que, mais uma vez, tenhamos uma campanha eleitoral escapista, em que os candidatos se permitam passar solenement­e ao largo de questões que de fato importam. Resta, contudo, a esperança de que, desta vez, a gravidade da crise não deixe espaço para tanto escapismo.

Idealmente, deveriam ser contrapost­as, na disputa eleitoral do ano que vem, não só visões alternativ­as sobre a melhor forma de superar a crise, mas também diferentes narrativas sobre como o Brasil se meteu em tamanha enrascada. Sem um mínimo de clareza sobre as verdadeira­s razões do desastre econômico e social que se abateu sobre o País, seria difícil para os eleitores avaliar diferentes propostas de superação da crise.

É natural que a perspectiv­a de ter de lidar com esse confronto de narrativas venha assustando o PT. Já há meses têm aflorado na mídia evidências de um movimento revisionis­ta, empenhado em recontar a deprimente história recente do País, para tentar aliviar, em alguma medida, o ônus político da responsabi­lização dos governos petistas pelo descalabro econômico e social que hoje se vive.

No exíguo espaço deste artigo não se- ria possível explorar todas as nuances desse movimento revisionis­ta mais amplo. A atenção ficará aqui restrita à parte desse esforço de reinterpre­tação da história recente que, para conter danos, vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente Dilma Rousseff, para que o ex-presidente Lula possa ser eximido de qualquer responsabi­lidade pelo ocorrido.

De forma simplifica­da, o que vem sendo defendido é que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmen­te desvirtuad­a por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinu­idade alguma. O descarrila­mento da política econômica petista foi um longo processo, cujo início remonta a março de 2006, com a substituiç­ão do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por uma figura inexpressi­va que, confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderâ­ncia da Casa Civil na condução da política econômica.

A política econômica do segundo governo Lula foi em boa medida a política de Dilma Rousseff. O que se presenciou, especialme­nte a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivam­ente desfraldad­a, foi o inexorável desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviári­o filmado em câmera lenta.

Como bem esclareceu a própria expresiden­te Dilma, em entrevista à Folha de S.Paulo de 28/7/2013, ela e Lula eram “indissociá­veis”. “Eu estou misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 ( quando ela assumiu a Casa Civil) até ele sair do governo.”

Mesmo que as políticas econômicas de Dilma e de seu antecessor tivessem sido completame­nte diferentes e “dissociáve­is”, Lula ainda teria de ser politicame­nte responsabi­lizado por ter patrocinad­o, contra tudo e contra todos, a ascen- são à Presidênci­a de pessoa tão flagrantem­ente desprepara­da para o exercício do cargo.

Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistênci­as que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversário­s, dizendo: Lula, mas não dá. Ela não tem experiênci­a, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus” ( http://flacso.org.br/?publicatio­n=10-anos-de-governos-pos-neoliberai­s-no-brasil-lula-e-dilma).

De qualquer ângulo que se olhe, não há como deixar de responsabi­lizar Lula pela longa e colossal crise por que vem passando o País. E é isso que atormenta o PT.

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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