O Estado de S. Paulo

O impacto da peça que inspirou um adolescent­e

Há 50 anos, o acordo de Abelardo I explicou como o Brasil se define: uma mistura híbrida de ópera-bufa e tragédia

- Antonio Gonçalves Filho

O Brasil de O Rei da Vela descrito por Oswald de Andrade em 1933 não era muito diferente do Brasil de 1967 – ou de hoje, meio século depois. Era –e é – o Brasil de Abelardo I, que só pode ser explicado como uma mistura de circo, teatro de revista, ópera-bufa e tragédia política. Na época com 15 anos, era a minha segunda peça – a primeira foi Dois Perdidos numa Noite Suja. A transgress­ão já começava na bilheteria (ambas eram impróprias a menores de 18 anos). Impróprias, sim, mas muito apropriada­s para explicar o Brasil, que um ano depois decretaria o Ato Institucio­nal n.º 5, o golpe mortal na democracia.

Para um estudante que crescia numa cidade (Santos) com estivadore­s politicame­nte engajados e intelectua­is ativos como Pagu (1910-1962), ver O Rei da Vela prometia ser mais um exercício libertário, transgress­ivo. Foi além. A montagem do Oficina represento­u para mim uma espécie de epifania: havia, afinal, uma chave para interpreta­r os acordos imorais que desde sempre se firmaram no País, tomando por base a parábola abelardina do industrial de velas falido – que herdava, se bem me recordo, um tostão de cada morto nacional. E mais: não foi só uma peça, mas um manifesto inspirador com reflexo na música e nas artes visuais. O Rei da Vela, que estreou em setembro de 1967, foi o embrião do movimento tropicalis­ta. É pouco?

 ?? ACERVO ESTADÃO ?? Manifesto. Montagem de 1967 inspirou Gil e Caetano e artistas visuais como Hélio Oiticica
ACERVO ESTADÃO Manifesto. Montagem de 1967 inspirou Gil e Caetano e artistas visuais como Hélio Oiticica

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