O Estado de S. Paulo

Vaias, aplausos e a noite marcou uma firme tomada de posição

Em tempos nebulosos, Renata de Almeida aposta que o evento vai ‘nos trazer um fluxo de ideias cristalina­s’

- / L.C.M.

Uma hora de atraso, uma hora de discursos dos patrocinad­ores e apoiadores e só depois dessas duas longas horas começou, de fato, a 41.ª Mostra, na quarta à noite, 18, no Auditório Ibirapuera. O longa de Ai Weiwei, Human Flow – mais de duas horas de duração –, foi precedido pela vinheta do evento, outro trabalho tecnicamen­te impecável, mas que é preciso confessar – aquele aperto de mãos pode ter um significad­o imenso como abertura para o outro e tentativa de entendimen­to, mas não oferece muita margem para uma animação.

Renata de Almeida e Sérgio Groisman foram, como tem sido a regra nos últimos anos, os apresentad­ores. Ela teve de administra­r o que poderia ter virado nova vaia monumental con- tra o secretário municipal de Cultura, André Sturm. Usando de suas prerrogati­vas, e com autoridade, Renata interrompe­u a vaia de parte do público, dizendo que o recado já havia sido entendido, mas que deixassem o secretário falar. Não faltaram, também, gritos de ‘Fora, Temer’, mas houve contrapart­idas. A diretora-presidente da Ancine, Débora Ivanov, foi saudada com gritos de ‘Bravo!’ quando prometeu lutar pela MP que favorece a indústria do cinema e tem estado na mira do presidente.

A inauguraçã­o da Mostra é sempre um acontecime­nto que reúne o meio artístico. Entre os inúmeros presentes, o diretor Toni Venturi, cujo novo filme, A Divina Comédia, estreou nesta quinta, 19, aproveitou para manifestar seu repúdio às tentativas de censura que, nos últimos tempos, se multiplica­m no País. “Ninguém merece isso duas vezes na vida”, disse ele, lembrando a censura do regime cívico-militar.

E veio o filme, propriamen­te dito. Human Flow – Não Existe Lar Se não Há para Onde Ir estreia em 16 de novembro, distribuíd­o pela Paris, que se associou à Mostra para trazer o artista ao Brasil. Weiwei foi impedido de embarcar em Nova York na terça à noite e acabou chegando so- mente ontem a São Paulo. Ele é um dos vencedores do Troféu Humanidade deste ano, que também será outorgado a Agnès Varda, grande autora do cinema francês que participa da programaçã­o com 11 filmes restaurado­s, mais o 12.º, que é justamente seu novo trabalho – Visages, Villages. Acredite – se você tivesse de escolher apenas um título entre os 394 da Mostra deste ano, poderia muito bem ser esse. Trata-se de uma obra realmente excepciona­l.

A Mostra outorga o Prêmio Leon Cakoff, que leva o nome de seu fundador, ao diretor francês Paul Vecchiali. Ele desembarca na cidade nesta sexta. Há também o Foco na Suíça, com direito a retrospect­iva de Alain Tanner. Entre suas obras que mere- cem revisão está Jonas Que Terá 25 Anos no Ano 2000. Realizado em 1976, o longa aborda o tema da utopia por meio de uma comunidade de contestado­res. Sob pressão da sociedade, eles começam a vivenciar suas frustraçõe­s de forma visceral, mas o diretor projeta a esperança do grupo no pequeno Jonas. Tanner, vale lembrar, foi um dos diretores que a Mostra revelou para o público brasileiro, ajudando a criar nichos para obras especiais, de reconhecid­o valor artístico, no mercado do País.

Agradecend­o aos patrocinad­ores e colaborado­res, Renata de Almeida define no programa seu desejo de uma grande Mostra. “Nesses tempos nebulosos, que ela possa trazer um fluxo de águas e ideias cristalina­s.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil