O Estado de S. Paulo

Marcia Castro incorpora o pop quente

Cantora e compositor­a lança hoje o quarto disco, ‘Treta’, após período de transforma­ção pessoal e musical

- Pedro Antunes

Marcia Castro queria mudar. Ou melhor, foi atropelada pela mudança. Ela veio arrebatado­ra. Foise o casamento de nove anos, deixou a casa na zona oeste onde viveu oito desses anos. Perdeu o chão no qual pisava, vieram as idas frequentes à Bahia, seu Estado natal. Foram-se se as roupas que cobriam o seu corpo, expôs a pele e a si mesma. A MPB dos três discos anteriores foi aglutinada pelos ritmos eletrônico­s, o funk, o pagode baiano, o kuduro.

Renovada. Transforma­da. Transmutad­a, como se todos as suas células – biológicas e rítmicas – passassem a conversar em outra língua. É a Marcia Castro mais pura, garante ela, que se apresenta em Treta, o quarto álbum, lançado nesta sexta-feira, 20, pelo selo Joia Moderna, criado por DJ Zé Pedro. E Treta é fruto de muita treta – a gíria usada para denominar problemas, brigas ou desentendi­mentos –, como conta a artista. “Acho que é um momento de transforma­ção, mesmo”, ela avalia. “É uma mutação, uma mudança em toda as esferas da minha vida. Treta, o disco, é uma espécie de diário a respeito da minha vida, de tudo o que aconteceu comigo desde 2015 e 2016. Está tudo ali.”

Marcia, com o novo álbum, prova a 3.ª Lei de Newton em estado puro: “A toda ação sempre há uma reação de mesma intensidad­e e direção”. Ela deixou um relacionam­ento ao se apaixonar por outro alguém, teve a vida jogada num liquidific­ador. Era impossível imaginar que a cantora que surgiria para o quarto álbum fosse a mesma de Das Coisas Que Surgem, o terceiro dela, de 2014. Ago- ra, seu canto tem pressão, tem grave, groove, tem rebolado, molejo e, principalm­ente, coragem. É a ode ao ser quem se quer, ser mulher, ser um furacão. Debate a sensualida­de a sexualidad­e. Esquenta, provoca suor e dança. Marcia quer falar sobre si, sobre quem é hoje. Ela é a explosão que não tem medo de mostrar a pele e o corpo.

Marcia pensa em compor um disco no qual ela perfuraria a estética eletrônica desde 1999, mesmo que sua carreira tenha tomadooutr­os rumos. Há dois anos,co- nheceu Rafael Dias, do grupo baiano Attoxxá, e dele recebeu a música Noites Anormais. A via para esse flerte do sintético dos beats, a quentura dos gemidos sussurrado­s e versos quentes estava aberta. Ao longo dos dois anos seguintes, até a chegada de Treta, Marcia encarava os problemas, lidava com eles, compunha e tentava fazer com que suas cordas vocais e seu diafragma se encaixasse­m no pop, no ritmo que puxa, pega pelo braço e vai até o chão.

Pelo tempo de gestação do dis- co, Rafael Dias, inicialmen­te convocado para a produção do disco, foi substituíd­o por Marcos Vaz. A partir das bases criadas por ele, Marcia buscava no que viveu e vivia a inspiração para as canções. Vulgar, que tem uma versão normal e outra remix, é o oposto do sentido pejorativo da palavra. É poderoso o discurso de ser o que quiser, vestir o que quiser e se relacionar com quem quiser. É nesse discurso no qual Marcia se apoia para acompanhar os ritmos com graves poderosos, prontos para estourar as caixas de som durante a turnê. “Fui redescobri­ndo a relação com o meu corpo”, conta ela. “Com o sexo, com a minha sexualidad­e. Tudo isso veio de uma vez, como nunca tinha experiment­ado. Eu precisava falar disso de algum modo.”

Tretas passadas, Treta lançado, Marcia está feliz com o que se tornou. “Toda vez que dou um passo o mundo sai do lugar”, diz a frase que vem logo abaixo do nome dela no aplicativo WhatsApp. É um verso do artista pernambuca­no Siba, mas diz muito sobre ela também. Seu mundo saiu do lugar. Marcia chorou, dançou. E colocou-o num novo eixo.

 ?? WERTHER SANTANA/ESTADÃO ?? Desejos. A ideia de gravar um disco com sonoridade eletrônica é antiga, datada de 1999, mas só renasceu há dois anos
WERTHER SANTANA/ESTADÃO Desejos. A ideia de gravar um disco com sonoridade eletrônica é antiga, datada de 1999, mas só renasceu há dois anos
 ??  ?? MARCIA CASTRO ‘Treta’ Joia Moderna; R$ 20 e plataforma­s digitais
MARCIA CASTRO ‘Treta’ Joia Moderna; R$ 20 e plataforma­s digitais

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil