‘Educação deve preparar para enfrentar problemas'
Para fechar o abismo entre ensino superior e necessidades do mercado, o pesquisador de neurociências Pedro Calabrez defende a reforma estrutural das universidades. Mas alerta aos jovens: a graduação continua indispensável.
Numa sociedade em que a informação está disponível facilmente, mui- tas vezes de graça, uma graduação ainda é importante?
Em diversos campos existe um abismo entre o que se ensina e o que é exigido no mercado. É comum ouvir que o aprendizado no Brasil é “on the job”. Ou seja, aprende-se mais trabalhando do que na faculdade. Isso não significa, no entanto, o fim dos cursos de gradua-
ção. Em um mundo com tanta informação disponível, certamente aumenta a quantidade de conhecimento de qualidade, mas junto aumenta, em proporção muito maior, a quantidade de informação falsa e distorcida. As universidades necessitam, urgentemente, de uma reforma na graduação, para se adequarem melhor ao mundo contemporâneo.
Além da oportunidade de um emprego melhor, o que a educação formal pode oferecer de benefícios?
Educação não é mero meio para obter emprego. Ela é a base de todo comportamento necessário a um bom cidadão, a um bom ser humano. Uma sociedade carente de educação, como a brasileira, não saberá votar, gerir suas finanças domésticas, abrir e manter um negócio, compreender as mudanças políticas, sociais e econômicas. Educação é a base da independência de um cidadão.
Na faculdade, deve-se privilegiar o contato com colegas, a ampliação do repertório cultural ou atividades voltadas ao mercado?
A formação técnica, pragmática, voltada ao mercado, é essencial. Como formar um engenheiro ou um médico sem isso? Mas o mercado muda com grande velocidade. A universidade deve, além das questões de mercado, formar indiví- duos capazes de usar seus conhecimentos para transformar o país, de enfrentar problemas inéditos de maneira flexível. Indivíduos que compreendam o papel de seu trabalho, enxergando o mundo de forma sistêmica. E isso tudo vai muito além do ensino pragmático.
Como fazer os jovens refletirem sobre seu aprendizado, desenvolvendo uma mentalidade de crescimento acadêmico constante?
Quando o filho tira boa nota, os pais dizem: “Parabéns, você é muito inteligente”. Parece que a inteligência faz parte da natureza da criança, como a cor do cabelo. Estudos mostram que esse tipo de mentalidade faz com que a criança internalize a ideia de que é inteligente e de que não precisa se esforçar. Quando o desempenho piora, culpam a professora, a prova, a escola. A ciência psicológica recomenda o desenvolvimento de uma “mentalidade de crescimento”. O elogio adequado seria: “Parabéns pelo seu esforço”. No entanto, a mentalidade fixa é disseminada em nossa sociedade. Quanta gente diz coisas como “sou ruim em matemática”. Ora, você não estudou o suficiente para ficar bom. A educação deve incentivar crianças e jovens a enfrentar as dificuldades, conscientes de que o aprendizado é um caminho fantástico e encantador.