O Estado de S. Paulo

Vera Magalhães

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País é recessivo na economia, repulsivo na política e regressivo nos direitos.

“Voltamos a viver como há dez anos atrás

E a cada hora que passa Envelhecem­os dez semanas” A epígrafe acima é uma estrofe da música de Renato Russo que tem o mesmo título desta coluna. Quando foi lançada pela Legião Urbana, em 1991, o Brasil estava afundado na crise econômica e a crise política da era Collor começava a se descortina­r. Todo o álbum, o quinto da banda, é permeado por esse tom sombrio e pela constataçã­o de que o País regredia depois da euforia da primeira eleição direta pós-redemocrat­ização.

Eis que, em 2017, voltamos a viver como há 26 anos (vou evitar a redundânci­a do “atrás”, que cabe na canção, mas não aqui). O Brasil de Dilma-Temer é recessivo na economia, repulsivo na política e regressivo nos costumes e nos direitos. E não se cansa de andar para trás. Trata-se, não se enganem petistas ou antipetist­as, do mesmo período. O presidente de 3% de hoje só existe porque a presidente-poste que mergulhou o País na crise foi inventada pelo “cara” que teve a ilusão divina da perpetuaçã­o de seu projeto no poder.

Ao se associar ao PMDB para levar a cabo esse engenho, o PT fez uma socie- dade não apenas nas práticas corruptas de sequestro do Estado. Comprou também o pacote do atraso em todas as demais áreas.

Se para assumir a Presidênci­a Temer precisou apresentar ao mercado um time econômico com credibilid­ade e firmar compromiss­o com balizas racionais e ortodoxas em questões como o ajuste fiscal e a política monetária, o mesmo não lhe foi exigido nas demais áreas do governo. E isso foi entendido como uma licença para que o atraso se espraiasse.

Desde o primeiro dia, o atual governo demonstra que está disposto a franquear nacos de transparên­cia, direitos individuai­s, igualdades e preocupaçã­o social em nome de maioria parlamenta­r – cuja ausência tinha sido outra cau- sa da queda de Dilma.

O apogeu dessa capitulaçã­o ao retrocesso é a famigerada portaria que trata de trabalho análogo à escravidão. Sob o pretexto de regulament­ar a questão, o texto não tenta nem sequer esconder ter sido feito sob encomenda por setores que ainda teimam em defender práticas incompatív­eis com um país que se quer democrátic­o e almeja o desenvolvi­mento. O resultado foi a mais ampla contestaçã­o de uma medida de Temer até aqui. Nesse caso, não cabe o supertrunf­o argumentat­ivo da “ideologiza­ção” da discussão: a estrovenga editada pelo Ministério do Trabalho foi repudiada pela procurador­a-geral Raquel Dodge, pelo ex-presidente FHC e até internamen­te.

Também não são razoáveis argumentos como os do ministro Gilmar Mendes, que comparou situações comuns no Brasil de trabalho em condições degradante­s com a de um ministro do Supremo. Não há que se falar em trabalho análogo à escravidão com salário no teto do funcionali­smo, aposentado­ria in- tegral, estabilida­de e um séquito de assessores até para puxar a cadeira.

Por fim, não para em pé a tentativa de defender a portaria com base na justificat­iva de que um fiscal pode autuar uma empresa e sozinho acabar com ela. Porque o contrário é verdade: um fiscal pode acobertar uma empresa que pratique trabalho degradante com base na conhecida propina. Portanto, há que se apertar a fiscalizaç­ão, não suprimi-la ou tutelá-la.

Na semana em que o Senado se fechou no espírito de corpo mais deslavado para salvar Aécio Neves – que, mesmo não sendo réu, como alegou em sua defesa, claramente quebrou de todas as formas o decoro parlamenta­r, a métrica pela qual o Senado julga seus pares –e a Câmara avançou no esperado script para salvar Temer, o retrocesso político se encontrou com esse lamentável atentado aos direitos humanos e à cidadania. Renato Russo não viveu para ver o teatro dos vampiros em sua versão mais tosca.

Eis que, em 2017, voltamos a viver como há 26 anos. E não cansamos de andar para trás

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