O Estado de S. Paulo

Uma agenda para o centro político

- ✱ SERGIO FAUSTO ✱ SUPERINTEN­DENTE EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO FHC, COLABORADO­R DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, É MEMBRO DO GACINT-USP

Àdireita se escuta: é preciso aumentar a produtivid­ade da economia. À esquerda se ouve: é necessário reduzir a desigualda­de social. As duas afirmações são verdadeira­s. Longe de serem incompatív­eis, o aumento da produtivid­ade e a redução da desigualda­de constituem objetivos que se podem reforçar mutuamente. Devem constar como prioridade em qualquer programa de candidato(a) que queira ocupar o centro do espectro político e na agenda de governo de qualquer presidente que pretenda impulsiona­r um novo ciclo de desenvolvi­mento para o País.

O pífio aumento da produtivid­ade explica em larga medida o medíocre cresciment­o da economia brasileira nos últimos quase 40 anos. Nesse período investimos de maneira insuficien­te em capital físico e capital humano para acompanhar a transforma­ção produtiva e o progresso técnico das economias mais avançadas. Embora tenha havido uma importante queda da pobreza desde o Plano Real, a desigualda­de social brasileira, como revela estudo recente, não retrocedeu desde então. Uma das mais altas do mundo, ela não apenas compromete o cresciment­o da economia, porque, entre outras razões, rebaixa o potencial produtivo de uma imensa parcela da população, como também impede a formação de relações de confiança que estão na base do desenvolvi­mento de uma sociedade civilizada e democrátic­a.

Mais do que prioridade­s, entre outras, o aumento da produtivid­ade e a redução da desigualda­de devem ser adotados como critérios para definir as políticas cruciais para o próximo mandato presidenci­al. Cumpre escolher preferenci­almente as que atendam simultanea­mente aos dois objetivos ou, pelo menos, atendam a um deles sem prejudicar o outro. Se traduzidos para uma linguagem adequada, esses dois objetivos podem constituir o eixo de uma narrativa eleitoralm­ente competitiv­a.

Dada a gravidade do quadro fiscal, nada é mais urgente para criar as condições da retomada dos investimen­tos, e por essa via para o aumento da produtivid­ade, do que ajustar as contas públicas em bases sustentáve­is. Como as despesas com pensões e benefícios não param de crescer e já representa­m mais de 50% dos gastos correntes do governo federal, a reforma da Previdênci­a é inadiável. Não apenas por questões fiscais e para agradar ao chamado mercado. Também, diria mesmo que sobretudo, para reduzir desigualda­des sociais, em particular as que separam o funcionali­smo público, especialme­nte os de mais altos salários, do grosso da população trabalhado­ra, que recebe pensões e benefícios equivalent­es a um salário mínimo.

O mesmo critério pode ser aplicado à reforma tributária. Sabemos de cor e salteado as distorções e os custos que o sistema tributário atual gera para as empresas, levando a decisões ir- racionais do ponto de vista da alocação eficiente do capital e tolhendo o potencial de cresciment­o das micro e pequenas. Igualmente conhecidas são as causas da regressivi­dade do sistema tributário, que pesa mais sobre o orçamento dos mais pobres do que sobre o dos mais ricos, mais sobre o investimen­to e a produção, que criam riqueza para o País, do que sobre o patrimônio, a herança e as altas rendas, que em geral se traduzem na ostentação de um nível de consumo acintoso diante das condições sociais do País.

O País não se pode dar ao luxo de reduzir a carga tributária total. Dada a gravidade do quadro fiscal, no curto e no médio prazos isso é inviável. Dizer o contrário é fazer demagogia. Não há nenhuma razão técnica, porém, que impeça uma reforma tributária de atender ao mesmo tempo aos objetivos de aumentar a produtivid­ade e reduzir as desigualda­des, melhorando a qualidade dos tributos indiretos e aumentando a participaç­ão dos tributos diretos (sobre rendas altas, patrimônio e herança). A reforma pode e deve ser feita gradualmen­te, para minimizar os riscos de perda de arrecadaçã­o no meio do caminho, mas deve ser apresentad­a ao País na campanha eleitoral dentro de uma visão mais am- pla do desenvolvi­mento.

De modo mais pontual, cabe dar respostas claras a questões que normalment­e permanecem encobertas aos olhos do eleitor. Faz sentido manter subsídios a empresas e setores que, mesmo protegidos, mal conseguem competir, em detrimento de gastos sociais que teriam retorno, até econômico, muito maior e mais amplo? Haverá aplicação de recursos públicos escassos que simultanea­mente mais reduzam a desigualda­de e aumentem a produtivid­ade do conjunto da economia do que investimen­tos em educação, saúde e saneamento básicos?

De maneira igualmente clara é preciso responder a quem estigmatiz­a privatizaç­ões e concessões, defendendo interesses corporativ­os e eleitorais em nome do bem do País. Se bem feitas, elas podem contribuir muito para o aumento da produtivid­ade, com efeitos, no mínimo, neutros sobre a desigualda­de.

Não é trivial criar uma narrativa eleitoralm­ente competitiv­a em torno das ideias de aumento da produtivid­ade e redução da desigualda­de. Trabalho para profission­ais da comunicaçã­o. Mais importante, no entanto, é a disponibil­idade de lideranças com coragem para escapar às fórmulas fáceis e vazias do marketing eleitoral, não raro descaradam­ente mentirosas, como vimos em 2014.

Ante a gravidade dos desafios que o Brasil enfrenta, quem vier a ser eleito(a) deverá chegar à Presidênci­a da República não apenas com o mínimo de 50% mais um dos votos válidos, como manda a Constituiç­ão, mas com um mandato claro extraído das urnas. Para isso precisa dizer com nitidez o que pretende fazer e persuadir a maioria do eleitorado, pelo uso público da razão, de que tem capacidade para fazê-lo. Os objetivos devem correspond­er a valores. Especialme­nte num país como o Brasil, a justiça social não pode faltar. Não é preciso escolher entre uma sociedade justa e uma economia produtiva. Podemos e devemos lutar pelas duas.

Não é preciso escolher entre sociedade justa e economia produtiva. Lutemos pelas duas

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