O Estado de S. Paulo

Economia perde espaço do debate eleitoral

Corrupção, morte de ativista e antagonism­o entre Macri e Cristina dominam a campanha legislativ­a para Senado e a Câmara

- ESPECIAL PARA O ESTADO CARLOS DE ANGELIS / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Durante os primeiros meses da campanha que termina na eleição de hoje, a principal controvérs­ia foi saber se a expresiden­te Cristina Kirchner concorreri­a ou não.

Nas eleições primárias de 13 de agosto, o partido do presidente Mauricio Macri teve bom resultado em nível nacional. As prévias, originalme­nte criadas para que os partidos escolham seus candidatos, funcionam como ensaio da eleição “verdadeira”. Se alguém acreditava que, em uma eleição legislativ­a, seriam debatidas novas ou melhores leis, enganou-se. A principal discussão foi o kirchneris­mo versus o macrismo.

As duas protagonis­tas da campanha foram a própria Cristina e a governador­a da Província de Buenos Aires (que tem 38% dos eleitores do país), María Eugenia Vidal – esta, convertida na segunda política mais poderosa da Argentina, com melhor imagem que o mesmo presidente.

Em um segundo plano, estiveram o presidente Macri e a candidata pela cidade de Buenos Aires, Elisa Carrió. Curiosamen­te o principal adversário de Cristina, Esteban Bullrich, ministro de Macri, teve fraca participaç­ão.

O governo apresentou uma campanha em múltiplos níveis. Defendeu a estratégia judicial de processar figuras importante­s do governo anterior, por casos de corrupção, onde era difícil avaliar a diferença entre os requisitos da Justiça e as necessidad­es eleitorais do governo, que procuravam estabelece­r que o kirchneris­mo possuía caracterís­ticas quase criminosas.

Em direção à parte mais baixa da escala social e nos círculos eleitorais mais pobres, o governo realizou um grande trabalho público e de ajuda clientelis­ta. Esses território­s coincidem com os lugares onde Cristina teve o melhor resultado na prévias, espe- cialmente na periferia de Buenos Aires. Já nos setores empresaria­is onde o governo tem um forte, mas interessad­o apoio, Macri deixou sinais prometendo reformas futuras.

Nos últimos dois anos, o governo contou com o apoio majoritári­o dos grandes meios de comunicaçã­o do país. Em resposta, Cristina buscou aumentar sua presença, dando entrevista­s em programas de televisão, emissoras de rádio e portais da internet. To- das as vezes em que falou, atraiu a atenção da opinião pública, mas teve que dedicar grande parte do tempo para defender seu governo e pouco espaço para criticar o atual. Apesar disso, finalizou sua campanha “no velho estilo” com um ato celebrado no estádio de futebol do Racing em Avellaneda. Lá, fez um curioso pedido aos seus seguidores, para que cada um consiga convencer duas pessoas a votar nela, uma vez que a maioria das pesquisas preveem a vitória de Bullrich hoje na eleição para o Senado. Cristina também conseguirá uma vaga como senadora, o que lhe permitirá recuperar o foro privilegia­do. Mas se tiver menos votos que o candidato macrista, suas pretensões de voltar à presidênci­a em 2019 ficarão seriamente ameaçadas.

Durante a campanha, o governo tentou deixar em segundo plano a questão econômica, uma vez que os resultados não foram os esperados para esses dois anos, embora seja possível observar melhorias pontuais. O principal problema é que não conseguiu domar a alta inflação, que supera as expectativ­as para o ano, mesmo aplicando uma política de elevadas taxas de juros que achatou o consumo e os investimen­tos.

Além disso, registra-se um déficit crescente na balança comercial e um importante cresciment­o do endividame­nto externo, principalm­ente voltado para sustentar o déficit fiscal, o que foi alvo de críticas de Cristina.

Portanto, a ênfase está sendo dada à economia pós-eleições. O governo decidiu pela liberação dos preços dos combustíve­is, novos aumentos nas tarifas dos serviços públicos (gás e energia elétrica) com o objetivo de reduzir o déficit fiscal, uma reforma na carga fiscal e outra previdenci­ária. A grande incógnita que se abre é saber como vão mudar as leis trabalhist­as, uma forte exigência que os empresário­s fazem ao governo, tomando como exemplo o caso do Brasil.

As reformas trabalhist­as na Argentina sempre enfrentara­m uma forte resistênci­a por parte dos sindicatos, e por esse motivo o governo agora escolheu como estratégia realizar modificaçõ­es focadas nos convênios coletivos, regras que regem a atividade trabalhist­a em determinad­os setores produtivos, mudanças que têm sido acompanhad­as pelos sindicalis­tas.

Ao mesmo tempo, o desapareci­mento do jovem Santiago Maldonado no sul do país, há três meses, supostamen­te nas mãos de forças de segurança e o aparecimen­to de um corpo que é o dele, a menos de dois dias das eleições, tornou tenso o clima político, causando dúvidas sobre seu possível efeito sobre a votação de hoje.

Sem bons resultados, governo deixou economia em segundo plano

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