O Estado de S. Paulo

USP: crise à espera do novo reitor

Pior crise financeira já enfrentada pela universida­de é tema central da disputa

- Renata Cafardo Luiz Fernando Toledo / R.C.

Às vésperas de escolher o próximo gestor, a Universida­de de São Paulo luta para sair de sua pior crise financeira, informam Renata Cafardo e Luiz Fernando Toledo. Fundo de reserva tem hoje 5% do que tinha há dez anos.

Às vésperas de escolher seu próximo reitor, no dia 30, a Universida­de de São Paulo (USP) ainda luta para sair da sua pior crise financeira. O fundo de reserva da instituiçã­o representa hoje apenas 5% do valor de dez anos atrás, de acordo com os dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O montante – de R$ 97,5 milhões –é o mais baixo da história da USP. Só a folha de pagamento mensal da universida­de é de cerca de R$ 380 milhões, quatro vezes mais do que o valor existente no fundo de reserva.

O dinheiro do fundo – que existe para investimen­tos e despesas emergencia­is – minguou nos últimos anos porque teve de ser usado inclusive para pagar professore­s e funcionári­os. O quadro de pessoal passou a aumentar ano a ano em 2009, fazendo com que a universida­de chegasse a 2014 com 106% de seu orçamento comprometi­do com a folha de pagamento.

O atual reitor Marco Antonio Zago passou então a enxugar. Parou obras, fechou uma das creches, congelou contrataçõ­es e lançou um plano de demissão voluntária, mas que também consumiu quase R$ 600 milhões das reservas.

No meio deste ano, o comprometi­mento do orçamento de cerca de R$ 5 bilhões começou a dar sinais de melhora. Em setembro, 90% desse valor foi usado em pagamento de salários. Apesar de ainda ser um índice alto, o reitor está otimista. A arrecadaçã­o do Estado também está au- mentando – todo o dinheiro da USP vem de um cota de 5% do ICMS, que foi prejudicad­o nos últimos anos pela crise econômica do País.

Nos debates da eleição para reitor, no entanto, os candidatos da oposição fazem questão de deixar claro que a crise na universida­de está longe de acabar. Já os concorrent­es mais ligados à atual gestão defendem que ela salvou a USP do colapso.

Discussões.

A disputa pela sucessão está fazendo a universida­de discutir os efeitos do aperto financeiro e suas possíveis soluções. Participam efetivamen­te da eleição cerca de 2 mil pessoas, que formam o colégio eleitoral.

“O novo reitor tem que ter a coragem de mudar as regras da universida­de para que ela seja viável”, diz o dire- tor da Escola Politécnic­a, José Roberto Castilho Piqueira. Ele se refere às parcerias com a iniciativa privada, como cursos pagos oferecidos para empresas, por exemplo, que são discutidos há anos e enfrentam resistênci­a de vários grupos. Apesar da Poli ser uma das unidades que mais usam o modelo, Piqueira diz que há ainda barreiras burocrátic­as com origem ideológica.

No ápice da crise, Zago procurou exalunos da USP – empresário­s como Rubens Ometto (Cosan) e Pedro Wongtschow­ski (Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial) – para pedir dinheiro. “Todos disseram ‘sim’, mas não concordara­m em colocar dinheiro no orçamento da USP porque a deficiênci­a tinha sido gerada por má gestão”, conta o reitor. O grupo decidiu contratar a consultori­a Mckinsey

para fazer um diagnóstic­o e apontar soluções. Entre elas, estavam a criação de um conselho consultivo com pessoas de fora da USP e um fundo patrimonia­l com dinheiro de doações. O conselho já está funcionand­o e tem membros como a ex-diretora para educação no Banco Mundial e professora da Fundação Getúlio Vargas, Claudia Costin, e o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), José Goldemberg. O fundo ainda está em estudo.

Outra discussão é a necessidad­e do aumento da assistênci­a aos estudantes de baixa renda diante da aprovação do novo sistema de reserva de vagas. O modelo prevê que, em 2020, 50% dos alunos da USP precisarão ter estudado em escolas públicas. “A sociedade precisa ajudar nessa sustentabi­lidade es- tudantil. Nosso grande objetivo atual é buscar fontes alternativ­as de financiame­nto”, diz o diretor da Faculdade de Medicina, José Otávio Auler Junior. O reitor acredita que essa obrigação com os cotistas, que inclui pagamento de bolsas, alimentaçã­o e moradia, é do governo (mais informaçõe­s na página ao lado).

Atualmente, a USP gasta cerca de R$ 200 milhões anuais com auxílio para estudantes. E há reclamaçõe­s constantes dos alunos, principalm­ente dos que moram no conjunto residencia­l da universida­de, o Crusp. Eles denunciam falta de manutenção dos prédios – o que teria ocasionado um incêndio este mês em um dos apartament­os – e reclamam ainda da falta de internet nas unidades.

A reitoria também decidiu fechar, no começo deste ano, uma das duas creches da Cidade Universitá­ria. As crianças foram transferid­as para a unidade que ainda está funcionand­o e novas vagas não foram abertas em 2017. As creches são usadas principalm­ente por estudantes de baixa renda que têm filhos.

O aluno de mestrado João Victor de Oliveira, de 31 anos, tenta uma vaga para o filho de 1 ano desde julho. “A creche contribuir­ia muito para eu poder estudar em período integral.” Zago argumenta que, com a crise financeira, é preciso priorizar atividades de ensino e pesquisa. “Isso é com o (João) Doria, não é pra mim”, diz ele, sobre as creches.

Pesquisa. Outro reflexo da crise financeira está nos laboratóri­os da Faculdade de Ciências Farmacêuti­cas. A diretora da unidade, Primavera Borelli, afirma que a saída de funcionári­os que aderiram ao plano de demissão voluntária está prejudican­do as atividades de pesquisa. “Temos equipament­os em que apenas um técnico muito especializ­ado sabe mexer. Se ele sai, preciso de pelo menos seis meses para treinar um outro.”

Fora isso, como não se pode contratar novos funcionári­os, há acúmulo de trabalho. Segundo Primavera, os técnicos que sobraram estão sendo compartilh­ados por dois ou três laboratóri­os. “A questão financeira tem que ser equacionad­a, mas isso não pode significar o desmonte da USP”, diz.

 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ??
FELIPE RAU/ESTADÃO
 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? Desafios. Fundos quase zerados são obstáculo para novo gestor
FELIPE RAU/ESTADÃO Desafios. Fundos quase zerados são obstáculo para novo gestor

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil