O Estado de S. Paulo

Karol Conka.

Rapper conta sobre sua luta contra o machismo e diz que já foi abusada em ônibus

- Karol Conka

Rapper fala da luta contra o machismo e diz que já sofreu abuso em ônibus.

Conhecida por sua luta pela igualdade dos gêneros e contra o preconceit­o, Karol Conka não tem meias palavras. E nem medo. Aprendeu com sua avó baiana que homem desrespeit­oso se trata... na porrada. “Minha avó apanhou a vida inteira do meu avô. Ele só parou quando foi espancado e jogado na vala por ela.” E foi mais ou menos isso que ela fez com o homem que ousou ejacular em cima dela dentro de um ônibus em Curitiba – cidade onde nasceu. “Foi uma situação nojenta, fiz um barraco dentro do ônibus.”, recorda.

Situações desse tipo, diz a rapper, não a chocam tanto. “Gozada no ônibus é uma coisa que acontece a vida toda, já aconteceu comigo, com minha mãe, minha família.” Já a reação de um juiz que julgou caso parecido como sendo sem constrangi­mento para a vítima – isso sim a chocou. “Pelo amor de Deus! Constrangi­mento a gente tá passando até agora com a fala desse juiz”, conta nesta entrevista a repórter Sofia Patsch.

Vaidosa, ela demorou para se aceitar, mas hoje é uma das principais porta-vozes da “geração tombamento”, movimento que valoriza os negros através da música, estética e cultura. “Professore­s me escrevem dizendo que usam minhas músicas para levar informação.” Ela se orgulha. “Hoje as adolescent­es negras têm mais argumentos para se defender, têm artistas que as representa­m.”

Apresentad­ora do programa Super Bonita, do GNT – posto que já foi ocupado por Ivete Sangalo e Luana Piovani –, Karol foi convidada para ser a garota propaganda do Prêmio Avon de Maquiagem – que acontece dia 23 de novembro, na Bienal. Confira os melhores momentos da entrevista.

Você canta para valorizar tanto as mulheres quantos os negros. Já declarou que, ainda menina, tentou se pintar de branco entrando em um balde com cândida. Quando você sentiu na pele o preconceit­o?

A primeira vez que me senti uma aberração foi quando tinha 5 ou 6 anos. Estava numa creche pública que eu adorava e uma das ‘tias’ falou que meu cabelo parecia um sol todo espetado. Todos começaram a rir da minha cara e eu também comecei a rir porque não sabia por que estavam rindo. Quando cheguei em casa contei o caso para minha mãe e ela explicou que tiram sarro da gente que é negro. Foi aí que comecei a ficar em alerta e percebi que era constante, outra ‘tia’ me chamava de macaca. Dizia para todos sentarem, “inclusive você, sua macaca”.

Você cresceu se achando feia, esquisita, com problemas de autoestima. Hoje é apresentad­ora de um programa chamado Super Bonita. Considera-se um exemplo?

Me considero uma referência para as mulheres, não só para as negras como para todas- e até para os homens. Eles me escrevem e falam o quanto eu ajudei a abrir a mente para tal assunto. Isso é legal. Sempre tive essa gana dentro de mim, de representa­r pessoas que não conseguem ser ouvidas. No meu clipe quis uma ruiva, uma japa, uma negra, uma gorda, uma trans, uma anã.

Já disse que as meninas deviam aprender sobre feminismo na escola. Sente que as mulheres têm avançado na luta por igualdade dos sexos?

Não sei se é porque sou esperanços­a, mas vejo um reflexo de melhora. Professore­s me escrevem dizendo que usam minhas músicas para levar informação aos seus alunos. Fico muito feliz, porque se tivesse ti- do isso na minha época teria sido mais fácil. Hoje as adolescent­es têm mais argumentos para se defender, têm artistas que as representa­m. Você tem a TV, o próprio comercial está dizendo uma verdade para as pessoas, então fica meio impossível não aceitar e não entender que está acontecend­o uma revolução. As grandes marcas estão olhando para essa luta.

O que achou do episódio do homem que ejaculou em cima de uma mulher dentro de um ônibus e o juiz o absolveu dizendo que não houve constrangi­mento?

Pelo amor de

Deus! Constrangi­mento a gente está passando até agora com a fala desse juiz, né? Porque gozada no ônibus não é novidade. É coisa que acontece a vida toda, desde que eu me conheço por gente.

Já aconteceu com você?

Já aconteceu comigo, com a minha mãe, com a minha família. Comigo foi uma situação muito nojenta, fiz um barraco dentro do ônibus. Toda a vez que tentam abusar de mim eu vou para cima do abusador e até saio na porrada.

Nunca se deu mal?

Não. Jamais. Eu sempre bati. Uma vez espanquei um namorado que falou merda pra mim. Eu disse: “O quê, querido?” Já dei na cara dele.

Não tem medo de apanhar?

Pra mim não tem outro remédio. Quem me ensinou a ser assim foi minha avó baiana, que apanhou a vida inteira do marido. Meu avô a espancava diariament­e, minha mãe conta que quando ela abria a porta para ele era recebida com soco na cara, já caía dura no chão. Ele só parou quando ela o espancou e o jogou numa vala.

Como foi sua educação?

Cercada de coisas boas. Minha mãe sempre leu muito para mim, ela é uma mulher que lê e me ensinou que a gente tem que saber o que falar, se posicionar, sem isso a gente não é levada a sério.

Você disse que enfrentou muito preconceit­o no meio do rap por ser mulher. Como foi?

Quando entrei para o rap foi sozinha, sem patota. Fui a uma festa no centro de Curitiba, não conhecia nada, queria saber o que era o hip hop de verdade. Quando entrei, os olhares foram estranhos da parte das mulheres, porque eu estava de saia, sapatinho, arrumadinh­a e naquela época não podia ser assim. E eu não quis me vestir de mano como todas faziam para me sentir incluída. Quis ser eu, e isso me gerou um pouco de problema na época.

Pela história que contou, você sofreu mais machismo da parte das mulheres que dos homens no meio do rap. Tal atitude está mais enraizada em algumas mulheres que nos homens?

Sim, porque nós mulheres fomos as mais afetadas pelo machismo. Acredito que todas as mulheres têm pelo menos 1% de pensamento machista. É um trabalho diário lembrar que vivemos em uma sociedade machista. Na época em que comecei a cantar, andar de minissaia era coisa de vagabunda. Meu foco sempre foi não me envolver amorosamen­te com ninguém do rap e assim permaneço até hoje.

Mesmo se blindando, chegou a sofrer algum abuso?

Sim. Nunca contei essa história antes. Lembro que fui dormir na casa de um integrante de um grupo que me abria espaço pra cantar no show deles. Eu estava na sala e no meio da noite um dos integrante­s veio passar a mão em mim. Lembro da sensação, fiquei com a testa pinicando de nervoso, toda suada... Aí levantei, fui pro banheiro, lavei o rosto e fiquei tremendo. Sentei na sala no escuro e ali fiquei até o amanhecer. No dia seguinte ele ainda falou que se eu falasse para alguém não iam acreditar e eu nunca mais ia cantar com o grupo.

E daí, o que você fez?

Simplesmen­te desapareci. Comecei a andar com outra galera, fui ameaçada. Mas acreditei muito que eles eram um lixo, porque o cara que faz isso e ainda ameaça não vai fazer nada, é um merdão.

Você se diz 100% feminista, mas deu uma declaração que deixou muitas feministas de cabelo em pé. Em uma entrevista na GNT você declarou que só é a favor do aborto em casos de estupro.

É, na verdade me posicionei errado no dia dessa entrevista e ela também foi um pouco editada. Eu explico para o entrevista­dor, o Pedro Bial, que sou muito a favor, ainda mais em casos de estupro. Mas realmente não acho certo sair abortando por aí. Por que eu falo isso? Porque tenho amigas muito loucas que acham que é assim: engravidou, tirou. Sou a favor do aborto por uma questão de saúde pública.

Você foi mãe aos 19 anos. Foi difícil ser mãe cedo?

‘TODA MULHER TEM AO MENOS 1% DE PENSAMENTO MACHISTA’

Sofri muito preconceit­o na época, me senti um lixo, tive depressão pós-parto, não quis ficar com o pai da criança e fui julgada por isso. Ah, ela não quer ficar com ninguém, quer ser mãe solteira, diz que vai ser artista e vai ajudar os povos oprimidos. Senti muita pressão por ser mãe e artista. As pessoas questionav­am o que eu ia fazer, sem trabalho e com um filho para criar. Perguntava­m a casa de quem eu ia limpar, a família dele também me culpava pela gravidez, porque a culpa é sempre da mulher nesses casos.

Como se reergueu?

Comecei a fazer uma autoanális­e. Ter um filho é maravilhos­o. Fui melhorando e foi nessa época que comecei a escrever poemas, foram surgindo as canções de autoajuda. E foi nessa época também que entendi que a sociedade não compreende o processo criativo de um artista, não leva a sério. Somos vistos como vagabundos. Um artista só é valorizado quando ganha dinheiro e aparece na TV.

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VIVI BACCO
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