O Estado de S. Paulo

A volta de Al Gore

Al Gore volta com ‘Uma Verdade Mais Inconvenie­nte’: diz que o aqueciment­o global não acabou e acusa a ganância dos ricos

- Luiz Carlos Merten

‘Uma Verdade Mais Inconvenie­nte’ retoma tema ambiental.

Na sexta-feira, 20, quando conversou com o Estado, Ai Weiwei – autor do cartaz da 41.ª Mostra e do filme de abertura, Human Flow – disse que, mais do que a tragédia dos refugiados, seu filme é sobre a crise da democracia e do planeta, que produz essas massas de nômades que se deslocam pelo mundo em busca de oportunida­des – que os países desenvolvi­dos não querem mais lhes dar. No sábado à noite, foi a vez de Al(bert) Gore, que falou por telefone sobre seu filme Uma Verdade Mais Inconvenie­nte, atualmente na Mostra (20h50 desta segunda, no CineArte 1) e com estreia anunciada para 16 de novembro. Passaram-se dez anos desde Uma Verdade Inconvenie­nte, que, entre outras coisas, virou um êxito planetário e ganhou o Oscar. O blockbuste­r dos documentár­ios, e Gore venceu também o Nobel da Paz. Ele confirma agora o que disse Weiwei. A crise do clima é da democracia. A surpresa é que Mr. Gore, apesar de Donald Trump, está otimista. Quanto a candidatar-se de novo, “os próximos meses vão redefinir a oposição nos EUA.”

Como surgiu a ideia desse segundo filme?

O primeiro foi mais difícil. Quando me propuseram, achei que era uma loucura, que ninguém ia ver. A repercussã­o ultrapasso­u toda expectativ­a. Voltar ao tema foi consequênc­ia. Avaliar o que ocorreu nesses dez anos, e foi muita coisa.

O segundo filme dedica boa parte do tempo ao acordo de Paris e chega aos cinemas depois que o presidente Trump rompeu unilateral­mente e retirou os EUA. Não é um retrocesso?

Pode-se dizer que sim, mas a saída dos EUA não destruiu o acordo, pelo contrário. Os países signatário­s defendem o acordo e, mesmo na América, administra­ções regionais contestam a decisão do Executivo e recorrem judicialme­nte ou executam os próprios programas. Muitas cidades aderiram à energia renovável, e isso tem sido um acontecime­nto notável.

O filme destaca os casos da Índia e do Chile. Como está a situação desses países?

O Chile, sob a presidênci­a de ( Michelle) Bachelet é o país do mundo que mais investe em programas e usinas de energia renovável. Parece piada no filme, mas o investimen­to estoura nossa estatístic­a e aquela coluna não para mais de subir. A Índia foi o caso mais dramático no Acordo de Paris. O país não tinha fontes de crédito nem financiame­nto, precisava desesperad­amente de energia para atender à demanda de uma das populações mais carentes do mundo. Não estávamos falando de desperdíci­o, como na maioria das nações do Primeiro Mundo. Eram demandas básicas. A situação evoluiu tanto na Índia que a indústria automobilí­stica do país compromete­u-se, num período incrivelme­nte curto, de só produ- zir carros elétricos. Isso vai equivaler a zero carbono, o que será decisivo para a melhoria das condições ambientais.

Apesar disso, as condições seguem críticas. Tivemos uma temporada particular­mente dura de tufões, furacões e ciclones, e dos mais destruidor­es. O filme mostra o efeito do aqueciment­o global sobre as geleiras e o consequent­e impacto nos oceanos. Onde vai parar a água? Nas ruas de Miami...

E esse ano tivemos destruição em toda a América Central. Ve- ja, não estou querendo minimizar essas tragédias nem fazer projeções otimistas puramente especulati­vas. Mas nos últimos dez anos a consciênci­a ambiental aumentou muito e agora, graças ao presidente ( Barack) Obama, dispomos de instrument­os de aferição muito mais importante­s e precisos. Desde que fazemos essa medição, foi possível constatar que 14 dos 15 anos mais quentes da história iniciaram-se em 2001, com o recorde de 2016, que provocou toda essa hecatombe.

Apesar disso a plataforma de Mr. Trump é ‘aqueciment­o global bullshit’...

O grande problema do mundo atual é a concentraç­ão de riqueza. Os ricos estão cada vez mais ricos, não sou eu que digo isso. Para resolver a crise do clima temos antes de resolver a crise da governabil­idade. O grande capital, o mundo do dinheiro, é quem manda de fato. Tem influência demais hoje em dia. Existem pessoas e empresas que investem pesado na negação da crise do clima – ‘Climate change denial’ – porque não querem enfrentar nenhuma possibilid­ade de restrição de seus lucros.

No Brasil, em busca de apoio no Congresso, o presidente ( Michel) Temer tem adotado medidas que colocam em risco áreas da Amazônia e até dificultam a aferição do trabalho escravo – em pleno século 21. O que se pode fazer contra isso?

Não tenho expertise para ficar analisando o caso do Brasil, mas não é um fenômeno de vocês. Os apoiadores de Trump representa­m o que há de mais retrógrado em política ambiental. Vieram com tudo, mas a Suprema Corte tem imposto restrições a medidas do presidente e a oposição a ele cresce no Congresso, mesmo entre os republican­os. Creio que os próximos meses, ainda este ano, serão decisivos para que Trump feche seu primeiro ano de governo com uma oposição forte e articulada. E aí empresas como a ExxonMobil não vão mais poder dizer impunement­e que o aqueciment­o global acabou, porque não é verdade. Há muito dinheiro, muita pressão sobre a mídia para tornar a verdade inconvenie­nte.

Por falar nisso, qual é a liberdade dos diretores dos filmes? O senhor tem controle?

O final cut é deles. Davis Guggenheim fez um trabalho maravilhos­o no primeiro, mas Bonni Cohen e Jon Shenk partiram para uma linha de cinema verité muito interessan­te. Eu não mando nada. Só posso fazer piada, porque eles expõem como envelheci nesses dez anos.

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JENSEN WALKE
 ?? JENSEN WALKE ?? Desacredit­ado. “Acharam que ninguém iria ver o filme”
JENSEN WALKE Desacredit­ado. “Acharam que ninguém iria ver o filme”

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