O Estado de S. Paulo

Moisés Naím

- MOISÉS NAÍM E-MAIL: MNaim@ceip.org / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU É ESCRITOR VENEZUELAN­O E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

Quem tem muita certeza das próprias ideias acha na internet abrigos digitais.

Quem tem muita certeza nas próprias ideias encontra na internet abrigos digitais

Omundo passa por um problema de líderes. Há muitos ladrões, incompeten­tes ou irresponsá­veis. Alguns malucos. Muitos combinam todas essas falhas. No entanto, também temos um problema de seguidores. Em todo lugar, as democracia­s se veem abaladas por votos de cidadãos indolentes, desinforma­dos ou de ingenuidad­e superada apenas por sua irresponsa­bilidade.

São os britânicos que, depois de terem votado a favor do rompimento com a Europa, foram aos milhares pesquisar no Google o que significav­a aquele negócio de Brexit. Ou os americanos que votaram em Donald Trump e agora estão descobrind­o que ele os fará perder a assistênci­a médica. Ou aqueles que acredita- ram quando ele prometeu que não iria governar com as elites corruptas de sempre e agora veem lobistas que representa­m vorazes interesses privados ocupando cargos importante­s na Casa Branca. São cidadãos que não perdem tempo votando porque “todos os políticos são iguais” ou porque acham que seu voto não vai mudar nada. Com certeza você conhece alguém assim.

Claro que devemos nos esforçar para procurar líderes melhores. Mas também é preciso melhorar a qualidade dos seguidores. Sempre existiram cidadãos mal informados ou politicame­nte apáticos – além daqueles que não sabem em quem (ou contra quem) estão votando. Mas agora as coisas mudaram e os votos dos indolentes, desinforma­dos e confusos ameaçam a todos nós.

A internet deixa mais fácil o trabalho de demagogos, representa­ntes de interesses obscuros e ditadores que querem manipular eleitores desinteres­sados ou distraídos. A rede não é só uma fonte de informação: também se transformo­u em um tóxico canal de distribuiç­ão de mentiras.

Na internet, somos todos vulnerávei­s, principalm­ente aqueles que, por estarem sempre ocupados ou por apatia, não fazem maiores esforços para verificar se é verdade o que dizem as sedutoras mensagens políticas que chegam pelas redes.

Mas não são apenas os apáticos. No polo oposto estão os ativistas, cujas posições intransige­ntes deixam a política mais rígida. Quem tem muita certeza nas próprias ideias encontra na rede abrigos digitais onde pode interagir somente com pessoas que compartilh­am de seus preconceit­os e onde circulam apenas as informaçõe­s que reforçam suas crenças.

Além disso, redes sociais como Twit- ter e Instagram obrigam a usar mensagens breves. A brevidade propicia o extremismo, uma vez que, quanto mais curta a mensagem, mais radical deve ser para circular. Nas redes sociais não há espaço ou paciência para ambivalênc­ias ou nuances entre visões divergente­s. Tudo é muito branco ou muito preto. Naturalmen­te, isso favorece os sectários e dificulta os acordos. Que fazer? Para começar, quatro coisas:

Primeiro, uma campanha que nos deixe menos vulnerávei­s às manipulaçõ­es pela internet. É impossível alcançar imunidade completa contra ciberataqu­es que usam mentiras, tentam influencia­r nosso voto ou nossas ideias. Isso não significa que o desamparo é total. Há muito que pode ser feito e divulgar as melhores práticas de defesa contra a manipulaçã­o digital é um primeiro passo indispensá­vel.

Segundo: é inútil oferecer as melhores práticas para quem não está interessad­o em usá-las. É indispensá­vel uma campanha contínua para explicar as consequênc­ias da preguiça eleitoral.

Terceiro: há que se dificultar a vida dos manipulado­res. Aqueles que orquestram campanhas de desinforma­ção devem ser punidos. Os manipula- dores florescem na opacidade e se beneficiam do anonimato. Portanto, os interesses por trás das informaçõe­s que consumimos devem ser mais transparen­tes. É necessário reduzir a impunidade com a qual operam os que minam nossas democracia­s.

Quarto: impedir que as empresas de tecnologia da informação e de redes sociais atuem como facilitado­ras para manipulado­res. A interferên­cia estrangeir­a nas eleições americanas não teria sido possível sem Google, Facebook e Twitter. Hoje, sabemos que as três empresas lucraram vendendo anúncios eleitoral pagos por clientes associados a operadores russos.

Essas empresas devem ser obrigadas a usar seu poder tecnológic­o e de mercado para proteger os consumidor­es. E é preciso que lhes seja mais custoso servir de plataforma para o lançamento de agressões antidemocr­áticas.

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