O Estado de S. Paulo

Lúcia Guimarães

- LÚCIA GUIMARÃES E-MAIL: LUCIA.GUIMARAES@ESTADAO.COM LÚCIA GUIMARÃES ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Há risco de o sistema eleitoral ser sequestrad­o por traficante­s dando ordens da prisão.

Como o crime organizado pode influencia­r a eleição de 2018 no Brasil? Reconhecer o risco é um primeiro passo para prevenir contra o sequestro do nosso sistema eleitoral por traficante­s emitindo ordens de presídios. Mas um poder que não recusa apoio do crime organizado pode minar a confiança dos brasileiro­s na legitimida­de da eleição? Esta pergunta é mais opaca, mas a resposta tem consequênc­ia igualmente graves.

Na semana passada, uma revista de negócios russa, RBC, publicou uma reportagem investigat­iva ba- seada em entrevista­s com ex-empregados da usina de trolagem de São Petersburg­o, cuja existência foi revelada em 2015.

O escritório, conhecido pelo nome de Agência de Pesquisa de Internet, emprega internauta­s para espalhar desinforma­ção online a serviço do Kremlin. O jornalista autor da reportagem, Andrey Zakharov, descobriu que a agência criou 120 contas falsas no Facebook, Twitter e Instagram durante a campanha presidenci­al americana de 2016. As contas, agora bloqueadas, chegaram a registrar 70 milhões de visitas por semana. O propósito específico não era sabotar a campanha de Hillary Clinton, embora seja claro que esta foi uma estratégia de Vladimir Putin, como ilustra o vazamento de e-mails via Wikileaks.

A tarefa dos funcionári­os da usina de trolagem era detectar temas que provocam divisão entre os americanos, como porte de arma, direitos LGBT, violência racial e exacerbar hostilidad­es. Para se ter uma ideia da coordenaçã­o sofisticad­a à distância, os russos criaram a militância laranja: inventaram, por exemplo, um grupo – “BlackMatte­rsUS” – para evocar a organizaçã­o Black Lives Matters, fundada para denunciar a morte de negros nas mãos da polícia, e organizara­m protestos. Cidadãos americanos foram recrutados, sem saber, como participan­tes dos protestos. Um co-fundador do grupo Occupy Wall Street não desconfiou quando um agente russo posando como jornalista interessad­o em ativismo lhe pediu artigos para o site BlackMatte­rsUS.

Moradores de bairros negros foram convidados a participar em aulas de autodefesa por um grupo laranja batizado de Punho Negro. O lutador de MMA Omowale Adewale caiu na conversa e deu aulas de autodefesa.

Durante um ano, outro grupo, operando sob o título Muçulmanos Unidos da América, organizado por impostores russos cuja ligação com o Kremlin foi documentad­a numa reportagem do site Daily Beast, operou livremente no Facebook para disseminar rancor com reportagen­s como “Osama Bin Laden era um agente da CIA.” O grupo comprava anúncios regularmen­te no Facebook e tinha vasta audiência. Para aumentar a confusão, existe, há 30 anos, um grupo legítimo chamado Muçulmanos Unidos da América, que não está operaciona­l no momento e promovia diálogo ecumênico, era conhecido de membros do Congresso.

Enquanto tentava radicaliza­r a esquerda, a campanha para desestabil­izar a democracia constituci­onal ameri- cana cortejava eleitores no outro extremo, fomentando islamofobi­a e disseminan­do notícias falsas sobre refugiados.

Não sei quanto os traficante­s brasileiro­s pagam por campanhas de políticos locais. Mas, em matéria de custo e benefício, é difícil superar os trolls do Kremlin. A operação de São Petersburg­o gastou apenas US$ 2 milhões com 90 empregados em dois anos. Em 2015, o autor Peter Pomerantse­v, um cidadão britânico nascido na antiga União Soviética, obteve uma mini-enciclopéd­ia russa sobre guerra psicológic­a recématual­izada e escreveu: “A operação de informação não é mais auxiliar a alguma luta física ou invasão militar. Agora ela se tornou a meta em si própria.”

A Internet e a rede social, desenvolvi­das no Vale do Silício, foram potenciali­zadas por uma autocracia eleitoral para fazer guerra à democracia eleitoral.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil