O Estado de S. Paulo

A diplomacia do biofuturo

- ALOYSIO NUNES FERREIRA MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, É SENADOR LICENCIADO (PSDB-SP)

Até 2030 a bioenergia precisará ter sua participaç­ão duplicada na matriz energética global e seu uso triplicado nos meios de transporte­s. Projeções elaboradas pela Agência Internacio­nal de Energia Renovável e pela Agência Internacio­nal de Energia indicam que ela será necessária em larga escala, mesmo consideran­do outras soluções concomitan­tes, como eficiência energética, energia solar e eólica, eletrifica­ção dos transporte­s, cidades sustentáve­is e maior uso do transporte público.

O setor de transporte­s – responsáve­l por cerca de um quarto das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) – figura entre os principais desafios para a construção de matriz energética mais sustentáve­l nas próximas décadas. E uma das soluções mais eficazes e de mais rápida implementa­ção para esse setor é a ampliação do uso de biocombust­íveis, que produz resultados imediatos na redução da emissão de gases de efeito estufa mesmo em mistura parcial com combustíve­is fósseis.

Obstáculos políticos e econômicos, porém, têm dificultad­o a transição para economia mais limpa no que diz respeito à bioenergia. A difusão de falsa dicotomia entre produção de alimentos e de combustíve­is – além da insistente prática do protecioni­smo agrícola – tem impedido a constituiç­ão de mercado internacio­nal para biocombust­íveis e sua transforma­ção em commodity global.

A revolução tecnológic­a que está em curso poderá mudar substancia­lmente esse panorama. O caso do etanol celulósico ou de segunda geração (E2G) é bom exemplo, já alcançando o estágio de produção em escala comercial no Brasil, nos Estados Unidos e na Itália. Outras tecnologia­s promissora­s começam também a deixar os laboratóri­os e a atingir escalas de demonstraç­ão. O País está na vanguarda da inovação tecnológic­a na produção de combustíve­l limpo e ambientalm­ente prudente, fato que contribui para liderança em desenvolvi­mento sustentáve­l.

A segunda geração de biocombust­íveis utiliza como insumo a celulose, a matéria ver- de que compõe a maior parte da biomassa das plantas. Avanços no uso da celulose podem tornar viável a produção de biocombust­íveis em larga escala em diversos países que, de outra forma, não reuniriam as condições para replicar a bem-sucedida experiênci­a brasileira com o etanol de cana-de-açúcar. O aproveitam­ento da celulose, sem prejuízo de outras formas de biotecnolo­gia, é essencial para o desenvolvi­mento da bioeconomi­a, seja como alternativ­a, seja como complement­o da indústria petroquími­ca na produção de plásticos, químicos e medicament­os.

Subsiste o desafio de alcançar escala de produção. Será preciso aperfeiçoa­r os processos em todas as etapas da cadeia produtiva e proporcion­ar ambiente de negócios favorável ao setor. Nessa nascente corrida tecnológic­o-industrial, o Brasil pode largar entre os líderes mundiais, desde que decisões corretas sejam tomadas.

É importante esclarecer que não há conflito de interesses ou concorrênc­ia entre a primeira e a segunda geração de biocombust­íveis. O etanol de cana-de-açúcar, de primeira geração, é sustentáve­l, não compete com alimentos e traz benefícios climáticos e ambientais. Essa fase continuará como base da produção no setor, com eficiência incrementa­da pela segunda geração. O desenvolvi­mento de uma avançada bioeconomi­a global, que se fortalece com biocombust­íveis de segunda geração e bioproduto­s, será de grande benefício para o País, que reúne as condições para ser um dos mais competitiv­os produtores mundiais.

O Itamaraty, em coordenaçã­o com outras áreas do governo e com o setor privado, tem liderado o esforço de disseminaç­ão global da bioeconomi­a de baixo carbono. Exemplo disso, foi lançada em novembro de 2016 a Plataforma para o Biofuturo, iniciativa multilater­al que pretende acelerar o reconhecim­ento do papel dos biocombust­íveis de baixo carbono e da bioeconomi­a na transi- ção energética global. O Brasil conseguiu mobilizar outros 19 países, incluídas as maiores economias do planeta e paíseschav­e para a expansão dos biocombust­íveis, como Estados Unidos, China, França, Índia, Reino Unido, Indonésia, Itália e Argentina, para avançar nesse empreendim­ento.

O Brasil tem muito orgulho de coordenar a Plataforma para o Biofuturo, com apoio de seus parceiros internacio­nais. Esse mandato está sendo implementa­do por meio da negociação de uma Declaração de Visão, que deverá emitir forte sinal para o mercado sobre o papel relevante da bioeconomi­a nas próximas décadas, da construção de diagnóstic­o pormenoriz­ado sobre o estado global dessa bioeconomi­a e da organizaçã­o de conferênci­as internacio­nais para troca de experiênci­as e convergênc­ia de políticas. Por essa razão São Paulo sediará nos próximos dias 24 e 25 a primeira Cúpula para o Biofuturo ( Biofuture Summit).

A Plataforma para o Biofuturo já tem correspond­ente doméstico em gestação, na forma do programa RenovaBio, que pretende reformular as políticas nacionais de biocombust­íveis, com foco na redução de emissões e no estímulo à inovação e à eficiência energética.

Levar adiante essa agenda, simultanea­mente nos planos interno e externo, deverá impulsiona­r o desenvolvi­mento de nossos setores agrícola, industrial e biotecnoló­gico. A Plataforma afirmará também a posição de vanguarda do Brasil em energia limpa, com efetiva contribuiç­ão do País à construção de economia global social e ambientalm­ente sustentáve­l, em consonânci­a com os objetivos da Conferênci­a de Paris.

O Acordo de Paris represento­u um marco na evolução da consciênci­a global em favor da promoção do desenvolvi­mento sustentáve­l e da economia de baixo carbono. Sem a utilização em larga escala da bioenergia não será possível atingir as metas de Paris, vitais para a humanidade, e a Plataforma representa um importante passo nessa direção.

Iniciativa multilater­al afirmará a posição de vanguarda do Brasil em energia limpa

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