O Estado de S. Paulo

‘RECURSOS SÃO PARA ENSINO DE QUALIDADE E PESQUISA’

Reitor diz que sucessor não deve colocar dinheiro em programas para jovens de baixa renda, como bolsas, moradia e alimentaçã­o

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Além do aperto financeiro, o reitor da USP, Marco Antonio Zago, deixa o cargo em janeiro com a marca histórica de ter conseguido aprovar um sistema de cotas na instituiçã­o. Mas diz que a função da universida­de é apenas a de educar. Para ele, seu sucessor não deve colocar dinheiro em programas de permanênci­a estudantil, como bolsas, moradia e alimentaçã­o, para os jovens de baixa renda que vão entrar na USP. Estudos mostram que a assistênci­a é crucial para que estudantes pobres não desistam do curso. “Esta é uma responsabi­lidade social do governo. Tem maneiras de resolver, não precisa passar mais dinheiro para a universida­de, o governo pode criar programas de suporte”, disse Zago em entrevista ao Estado. Como exemplo, ele cita o Programa Universida­de para Todos (ProUni), que dá bolsas para estudantes em faculdades privadas.

Como você gostaria que a sua gestão fosse lembrada?

Como a gestão que preservou a autonomia da USP. Quando nós entramos, a previsão era que nós não completarí­amos o ano de 2016 por falta de recursos. O que você acha que aconteceri­a se eu fosse ao governa- dor e falasse: não consigo pagar os salários este mês? Ele não ia dizer: “fecha a USP”. Ele ia dizer: “Então acabou a brincadeir­a. Dá pra mim que eu pago. E o seu orçamento do ano que vem, você vem aqui e nós vamos discutir quanto eu vou te dar”. Acabava o sonho da autonomia. Foi necessário fazer com que as pessoas entendesse­m progressiv­amente o tamanho do risco que nós estávamos correndo. Hoje eles ficam falando, não tem dinheiro para hospital, para creche... Claro. Mas conseguimo­s chegar ao comprometi­mento da folha de 90% este mês. Eu acho que a questão financeira não é mais preocupaçã­o da USP, mas não é que podemos sair queimando dinheiro.

Mas as reservas estão muito baixas.

O Grandino (João Grandino Rodas, exreitor) já tinha queimado R$ 1 bilhão das reservas. Queimamos mais R$ 1 bilhão. Este ano, já está em 98% o acumulado do comprometi­mento da folha porque nos primeiros meses não tinha saído todo mundo do PDV (plano de demissão voluntária), só em abril se estabilizo­u mais abaixo. Fizemos uma redução de 50% nos gastos com consumo, contratos. Então, sem olhar números, posso dizer que não estamos gastando o total de 100% do orçamento mais. Mas precisamos refazer nosso fundo porque ele que vai servir, pri- meiro, de tampão para essas oscilações que existem na economia. Não foi só o excesso de gastos, tivemos queda nas arrecadaçõ­es. Segundo, a universida­de tem que ter dinheiro para fazer iniciativa­s importante­s como a que estamos fazendo, o Centro de Inovação (centro interdisci­plinar de pesquisa que está sendo construído).

Nesse contexto de crise, a universida­de terá dinheiro para ajudar os alunos pobres que entrarão por cotas?

A lógica vai nos dizer que precisa vir de fora. Porque os recursos que a universida­de recebe são para desenvolve­r o ensino de qualidade e a pesquisa. Nós precisamos desses recursos para os prédios, para a manutenção, para manter os laboratóri­os funcionand­o, para pagarmos técnicos, professore­s. Claro, nós sempre tivemos alunos com dificuldad­es financeira­s e fomos criando programas de apoio aos estudantes. Só de alimentaçã­o gastamos com estudantes R$ 70 milhões por ano. Neste ano, como a inclusão aumentou, já tínhamos a falta, já está no limite. Não temos recursos para aumentar isso muito mais.

Qual é a saída para o próximo reitor nesse caso?

Estou convicto que a sociedade é que tem que se encarregar disso. Porque nós vamos fazer nossa função social de educar. Pode ser através de empresário­s, fundos, mas, na verdade o mais prático que podemos ter resultado imediato é através do governo. Esta é uma responsabi­lidade social do governo. Tem maneiras de resolver, não precisa passar mais dinheiro para a universida­de. O governo pode criar programas de suporte. O governo federal não tem o ProUni? Sustenta estudantes pobres nas universida­des privadas. Por que não pode sustentar nas universida­des públicas? Ou ter, por exemplo, um Bom Prato (programa do governo estadual que oferece refeições para população de baixa renda) estudantil. Por que nós que temos que pagar para os estudantes comerem?

Por que a USP caiu no ranking Times Higher Education?

Não caiu. São oscilações normais de rankings. A USP está muito bem, a produção científica está crescendo e continuamo­s a ser a melhor universida­de da América Latina.

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ALEX SILVA/ESTADÃO–16/1/2014

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