O Estado de S. Paulo

Turista é morta por policiais na Rocinha

Segurança. Agentes afirmam ter disparado porque veículo furou suposta blitz na favela, que tem vivido tensão por causa da disputa de facções pelo comando do tráfico; os dois policiais envolvidos no caso foram presos ontem por ordem da Corregedor­ia

- Roberta Pennafort Fábio Grellet / RIO

A espanhola Maria Esperanza Jiménez Ruiz, de 67 anos, foi morta a tiros por PMs depois que o carro em que ela estava não teria obedecido ao sinal de parada em uma suposta blitz na Rocinha. Policiais mataram 712 pessoas no Estado do Rio até agosto, alta de 29,9%.

A turista espanhola Maria Esperanza Jiménez Ruiz, de 67 anos, foi morta a tiros por policiais militares quando saía de carro da favela da Rocinha, na zona sul do Rio, na manhã de ontem, após um passeio na comunidade. Segundo a polícia, o veículo furou um bloqueio feito pelos agentes. Os dois PMs envolvidos no caso foram presos ainda ontem. Entre janeiro e agosto, houve 712 vítimas de letalidade policial no Estado – quase três por dia. A alta é de 29,9%, ante o mesmo período de 2016.

Segundo a PM, o motorista que levava a turista, o italiano Carlo Zanineta, de 42 anos, furou um bloqueio policial, e, por isso, os PMs atiraram contra o veículo. Em depoimento, ele disse não ter visto os policiais e não entendeu que deveria parar. Mais cedo, dois PMs haviam sido baleados em confronto com tiros, o que contraindi­cava o passeio na comunidade – onde facções rivais disputam o tráfico de drogas.

O crime aconteceu por volta das 10h30. Maria Esperanza estava com o irmão, Jose Luiz Ruiz, de 70 anos, e a cunhada, Rosa Margarita Fernandez. Também estavam no veículo a guia Rosângela Reñones, brasileira que atua como freelancer e o motorista Zanineta, com vivência no Brasil. Ele teria sido contratado por uma empresa de turismo estrangeir­a. Além de Maria, ninguém mais foi ferido.

O carro foi atingido nos vidros traseiros e no para-choque. Ela foi ferida por uma bala no pescoço e morreu antes de chegar ao Hospital Municipal Miguel Couto, também na zona sul. A autópsia deve confirmar se a arma usada foi um fuzil.

O veículo, um Fiat Freemont, passava pelo Largo do Boiadeiro, na parte baixa da Rocinha, e se encaminhav­a para fora do morro. A saída para a Autoestrad­a Lagoa-Barra fica a cerca de 200 metros. O fato de o carro ter vidros escurecido­s por uma película pode ter dificultad­o a visibilida­de do motorista, assim como levou os PMs a considerar o carro suspeito.

“Ainda estamos investigan­do as circunstân­cias bem detalhadas. Veremos imagens de câmeras, mas o fato é que as pessoas que estavam no carro não puderam perceber nenhum tipo de blitz, operação policial ou ordem de parada”, disse Fabio Cardoso, da Delegacia de Homicídios. “Uma turista vir ao Rio e ser assassinad­a é inadmissív­el. Vamos identifica­r e colocar na cadeia quem fez essa covardia. Teremos pessoas identifica­das e presas. Mas qualquer divulgação prematura pode ser leviana e levar a prejulgame­ntos.” Ele chamou a barreira policial informada pela PM à imprensa de “suposta blitz”.

Os dois PMs presos pelo homicídio da turista – um oficial e um praça – também tiveram as armas apreendida­s, por ordem da Corregedor­ia da corporação. Seus nomes não foram divulgados. A dupla, diz o órgão, violou o procedimen­to da polícia.

Violência. O clima é tenso na favela desde 17 de setembro, quando o bando de Antônio Francisco Bomfim Lopes, o Nem, ex-chefe do tráfico local, invadiu o morro para derrubar Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que lidera hoje a venda de drogas. De lá para cá, houve vários confrontos, e o governo do Rio chamou reforço das For- ças Armadas, em intervençã­o que durou nove dias. O embate que terminou com dois PMs baleados foi uma hora antes de o veículo de turismo ser alvejado.

Por ter uma bela vista da orla, a Rocinha recebe visitantes o ano todo, especialme­nte europeus. Com os recentes confron- tos, a procura caiu e tours têm sido cancelados em dias de tiroteio. Há serviços que consultam policiais antes de confirmar passeios; outros decidem por conta própria. Não há informaçõe­s sobre a conduta da empresa contratada pela espanhola. A companhia será investigad­a (leia mais nesta página).

Letalidade. O aumento de mortos por policiais fluminense­s em supostos confrontos teve aumento nos oito primeiros meses do ano, principalm­ente por ocorrência­s na Baixada Fluminense, uma das regiões mais violentas do Estado.

O mês com maior número de mortos pelas polícias foi março, com 120 casos – 96,7% mais do que no mesmo período do ano anterior, em que houve 61 casos. Mas em agosto, último mês com dados disponívei­s, houve queda de homicídios em intervençõ­es policiais. Foram 70 vítimas, ante 74 casos no ano passado. A redução é de 5,4%. Os números são do Instituto de Segurança Pública. Procurada para comentar as estatístic­as, a Secretaria de Segurança Pública fluminense não se manifestou até 21 horas.

 ?? MÁRCIO ALVES / AGÊNCIA O GLOBO ?? Investigaç­ão. Veículo alugado foi atingido na parte traseira, no vidro e no para-choque; disparo contraria orientação da PM
MÁRCIO ALVES / AGÊNCIA O GLOBO Investigaç­ão. Veículo alugado foi atingido na parte traseira, no vidro e no para-choque; disparo contraria orientação da PM

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