O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Enquanto magistrado­s italianos participam do Fórum Estadão, no STF é julgado habeas corpus contra a extradição de Battisti.

Vamos convir que o governo e a sociedade italianos têm razão: Cesare Battisti não é nenhum herói como Garibaldi e não tem a aura de um Che Guevara, apesar de posar com a gravura do revolucion­ário cubano “casualment­e” ao fundo. Nos governos do PT, aqui no Brasil, ele foi tratado como um réu político. Em qualquer governo, lá na Itália, ele é considerad­o um criminoso comum, um assassino frio de ao menos quatro cidadãos.

Discretame­nte, os italianos ponderam que vivem uma democracia e, mesmo condenado à prisão perpé- tua, Battisti dificilmen­te morreria no cárcere caso extraditad­o. Seus companheir­os já foram soltos, integrados à vida normal e há quem esteja muito bem de vida. Na Itália, a prisão perpétua só vale na teoria, assim como as penas no Brasil são reduzidas para 1/6. Sérgio Cabral já está condenado a 72 anos. Quanto vai cumprir?

A história de Battisti no Brasil é tortuosa. Ele chegou fugido, clandestin­amente. Foi preso e iniciou-se um longo debate. Os pareceres técnicos e jurídicos do Itamaraty e do Ministério da Justiça eram favoráveis à extradição, mas o então ministro Tarso Genro, que é da área jurídica, preferiu o viés ideológico e liderou o processo de mantê-lo no Brasil.

O assunto foi parar no Supremo, que julgou a favor da extradição de Battisti, mas delegou para o presidente Lula a decisão de despachá-lo ou não para a Itália, sob argumento de que era questão de Estado. No último dia do mandato, Lula manteve condenado italiano em solo brasileiro.

As opiniões dividiram-se e isso só se intensific­ou quando a Itália prendeu, analisou e devolveu para o Brasil o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que, condenado no mensalão, fugiu com um documento em nome do irmão morto havia anos. À época, pareceu uma gentileza diplomátic­a, um tapa com luvas de pelica da Itália no Brasil.

Na verdade, foi uma decisão muito pragmática dos dois lados: imagine se a Itália mantivesse lá, livre, leve e solto, um condenado por crime de colarinho-branco com sobrenome italiano? Os demais iriam fazer fila para escapar por terra, mar e ar, a começar dos dois ex-ministros petistas Antonio Palocci e Guido Mantega. Nenhum deles, claro, com dificuldad­es financeira­s para sobreviver na Europa.

Como a decisão de Lula não prescreve, o governo, a diplomacia e a justiça italianas esperaram calmamente. Com Dilma Rousseff, as chances eram zero, já que ela foi presa por resistir à ditadura e prefere a “versão romântica” de Battisti. Mas, com a posse do professor de Direito Constituci­onal Michel Temer, as negociaçõe­s recomeçara­m. Já se manifestar­am a favor da extradição os ministros da Justiça, do Itamaraty e do entorno de Temer no Planalto. Mas a questão depende também do Supremo.

Hoje, enquanto os magistrado­s italianos Piercamill­o Davigo e Gherardo Colombo participam do Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, em São Paulo, os cinco integrante­s da Primeira Turma do STF julgam, em Brasília, um habeas corpus contra a extradição de Battisti. Davigo e Colombo são dois dos principais personagen­s da Operação Mãos Limpas na Itália e discutirão com o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol os pontos em comum nas duas fantástica­s operações contra a corrupção e o futuro da Lava Jato.

E, na Primeira Turma, como o ministro Luís Roberto Barroso foi advogado de Battisti, é provável que se declare impedido e haja risco de empate, dois a dois, e Battisti vá parar no plenário carregando seus quatro fantasmas. E é assim, com debates e divergênci­as e aprendendo com experiênci­as anteriores, que nós, brasileiro­s, vamos vivendo e aprendendo. Dê o que dê no caso Battisti, o debate sobre ideologia e leis é fascinante. Como será também no Forum Estadão.

Em São Paulo, debate sobre Mãos Limpas e Lava Jato; em Brasília, o que fazer com Battisti

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