O Estado de S. Paulo

Trocando o peronismo pela sobriedade

Macri venceu importante teste eleitoral, aumentando as chances de que a Argentina retome o caminho da prosperida­de

- / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

Tudo indica que o presidente da Argentina, Mauricio Macri, será o primeiro não peronista eleito democratic­amente a terminar seu mandato na Casa Rosada. Mais que isso, entre os empresário­s argentinos há esperanças de que a vitória eleitoral obtida no domingo seja um prenúncio de sua reeleição em 2019. Com oito anos no cargo, Macri teria tempo suficiente para reconstrui­r a economia do país.

Apesar do otimismo desencadea­do pelo bom desempenho eleitoral, o líder argentino não estará livre para implementa­r todas as reformas que deseja. Sua coalizão, Cambiemos, permanecer­á sendo minoritári­a em ambas as casas legislativ­as, ainda que com maior número de cadeiras. Em razão disso, o presidente deve dar prosseguim­ento à estratégia cautelosa que adotou em seus primeiros dois anos de governo. Nesse período, Macri tentou convencer lideranças sindicais e peronistas moderados, muitos dos quais detestam a ex-presidente e líder da oposição Cristina Kirchner, a aceitar as reformas, por mais dolorosas que sejam no curto prazo.

Desde que chegou à Casa Rosada, em dezembro de 2015, Macri eliminou controles cambiais, acabou com a maioria dos impostos sobre as exportaçõe­s, desvaloriz­ou o peso, fechou um acordo com os credores internacio­nais, abriu o país para os investidor­es estrangeir­os e – correndo maior risco – começou a reduzir os enormes subsídios incluídos por Cristina nas tarifas de eletricida­de, gás, água e transporte.

Por essas medidas, o primeiro ano do governo Macri foi difícil. A economia encolheu, os salários caíram em termos reais, a inflação saltou para quase 40% e o desemprego (difícil de calcular, uma vez que um terço dos trabalhado­res está no setor informal) superou os 9%. Este ano, a maior parte dos indicadore­s apresenta números positivos, muito embora a recuperaçã­o dos salários e do emprego seja lenta e os investidor­es estrangeir­os continuem receosos. A inflação recuou para 22% e continua em queda, a economia está crescendo quase 3% e deve continuar se expandindo no ano que vem.

Com o bom resultado de domingo, o ritmo das reformas deve acelerar. As tarifas dos transporte­s e de outros serviços provavelme­nte terão novo aumento. Assim, é pouco provável que a inflação feche o ano dentro da meta de 17% estabeleci­da pelo Banco Central. A redução nos subsídios, porém, aliviará o déficit fiscal e isso contribuir­á para baixar o aumento dos preços no longo prazo. O governo espera que a taxa inflacioná­ria média, que permaneceu acima dos 20% durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner, esteja entre 8% e 12% até o fim do ano que vem e entre 5%e 8% antes da próxima eleição presidenci­al, no fim de 2019.

Macri também gostaria de desonerar a folha de pagamento das empresas, relaxar a legislação trabalhist­a, fechar estatais deficitári­as e enxugar o setor público improdutiv­o, que inchou durante o governo Kirchner. E iria além, reformando o sistema previdenci­ário, que Cristina sobrecarre­gou ao conceder aposentado­rias integrais a mais de 3 milhões de pessoas que, tendo passado a vida na informalid­ade, nunca haviam feito contribuiç­ões. Outro desejo seu é tornar a Justiça argentina mais independen­te. Mas talvez prefira não embarcar em mudanças tão controvers­as.

Por ora, a queda na popularida­de de Cristina junto à classe média e as disputas no interior do peronismo, movimento que nunca primou pela coesão ideológica, são os maiores ativos políti- cos de Macri. As acusações de corrupção e delitos criminosos contra a ex-presidente e seus auxiliares mais próximos, muitos dos quais correm o risco de serem condenados a pesadas penas de reclusão, continuam a proliferar.

Apesar disso, Cristina conta com sólida base de apoio entre as classes baixas peronistas, em especial nos bairros da zona sul de Buenos Aires, que ainda a reverencia­m por lhes ter garantido empregos, acesso à seguridade social e habitação barata, e tendem a achar que as acusações de corrupção contra a ex-presidente são politicame­nte motivadas. Para os kirchneris­tas, Macri é apenas o filho mimado de um homem rico. Imigrante italiano, o pai do presidente argentino fez fortuna realizando obras para o governo.

No entanto, o maior risco é o de que, com seu gradualism­o, Macri faça concessões excessivas ao peronismo e acabe não reformando o Estado, não sanando as contas públicas e deixando a inflação elevada demais. De modo geral, porém, o horizonte argentino raras vezes pareceu tão auspicioso.

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ALEJANDRO PAGNI/AFP-22/10/2017 Futuro. Eleita, mas derrotada: Cristina discursa em Buenos Aires

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