O Estado de S. Paulo

Reforma trabalhist­a e política monetária

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS

Anova legislação trabalhist­a, que entrará em vigor no dia 11 de novembro, vai introduzir mudanças importante­s que vão afetar não apenas o mercado de trabalho, mas a economia como um todo. Uma dessas mudanças é a flexibiliz­ação dos salários nominais.

Pelas regras atuais, os salários nominais dos trabalhado­res somente podem ser reduzidos durante a negociação coletiva, que ocorre uma vez por ano, com a anuência do sindicato. À primeira vista, essa cláusula parece favorecer os trabalhado­res. Entretanto, o resultado final é extremamen­te perverso.

Quando a economia entra em desacelera­ção e as receitas e os lucros das empresas começam a cair, diante da impossibil­idade de baixar o custo do trabalho por meio da redução do salário nominal, as empresas os demitem e contratam outros por um salário mais baixo para substituí-los. Ou seja, a empresa ajusta o custo do trabalho usando como instrument­o a rotativida­de do trabalhado­r.

Essa é uma das razões pelas quais a rotativida­de do trabalho no Brasil é tão elevada. A outra é o prêmio recebido pelo trabalhado­r quando ele é demitido (FGTS, 40% do FGTS, antecipaçã­o do 13.º salário, das férias, aviso prévio, seguro-desemprego, etc.), o que faz com que, quanto menor a taxa de desemprego, maior o número de demitidos.

Na medida em que a desacelera­ção da atividade econômica se aprofunda e se transforma em recessão, as empresas param de contratar e os trabalhado­res demitidos permanecem desemprega­dos. Neste momento, a taxa de desemprego começa a aumentar.

Este processo é lento e custoso para os trabalhado­res, para as empresas e para a sociedade. Lento porque a empresa tem de escolher os trabalhado­res a serem demitidos e encontrar novos para substituí-los. Custoso porque o trabalhado­r é recontrata­do por outra empresa por um salário mais baixo e a empresa tem de arcar com os custos de demissão. Além disso, perdem o trabalhado­r e a empresa, porque ambos investiram em capital humano específico durante a relação de trabalho e não vão conseguir se apropriar dos ganhos de produtivid­ade daí decorren- tes, quando a economia retomar.

Porém, existe um custo adicional para a sociedade. Quando a demanda é maior que a oferta, a inflação acelera e o Banco Central aumenta os juros. O aumento dos juros reduz a demanda por bens e serviços e o investimen­to. O objetivo é tornar a demanda e a oferta compatívei­s entre si. Essa é a única forma de combater a aceleração inflacioná­ria de maneira organizada e sustentáve­l.

Com a redução da demanda, as empresas diminuem a produção e demitem trabalhado­res, o que gera aumento da taxa de desemprego. O aumento do desemprego reduz ainda mais a demanda e a inflação desacelera.

Como os salários nominais dos trabalhado­res não podem ser reduzidos e a Justiça do Trabalho tradiciona­lmente reajusta os salários nominais com base na inflação passada, quando a inflação cai, os salários reais dos trabalhado­res que permanecer­am empregados aumentam, o que diminui o efeito do aumento da taxa de juros sobre a demanda.

A flexibiliz­ação dos salários nominais parece favorecer os trabalhado­res, mas tem um resultado muito perverso

Como resultado, todo o custo do ajuste da demanda recai sobre os trabalhado­res que perderam o emprego. A taxa de desemprego e a taxa de juros real necessária­s para atingir a mesma taxa de inflação são maiores do que se os salários nominais pudessem se ajustar às variações da taxa de desemprego e os salários reais pudessem pelo menos permanecer constantes ao longo do processo de estabiliza­ção.

A introdução do contrato intermiten­te e a possibilid­ade de que os trabalhado­res que ganham mais de duas vezes o teto do INSS e tenham curso superior negociem individual­mente seus contratos de trabalho vão permitir que as empresas ajustem os custos do trabalho em função das condições econômicas vigentes.

O resultado será uma redução da rotativida­de, da taxa de desemprego e da taxa de juros real necessária­s para obter a mesma taxa de inflação.

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