O Estado de S. Paulo

A grande arte de Agnès Varda em ‘Visages, Villages’

Em parceria com o fotógrafo JR, a diretora busca cidades pequenas e seus habitantes como personagen­s do filme

- Luiz Zanin Oricchio

O título é simples: Visages, Villages. Rostos, vilarejos. O projeto é uma parceria do fotógrafo JR e da cineasta Agnès Varda, ícone do cinema francês, com 89 anos de idade.

Juntos, põem o pé na estrada a bordo do caminhão fotográfic­o de JR. O veículo, em si, já é digno de atenção. Uma moderna caminhonet­e, em formato de máquina fotográfic­a, com todos os recursos a bordo para desenvolve­r sua arte.

Mas fora de série mesmo é a dupla de aventureir­os. Ela, uma senhora muito bem disposta, falante e aberta ao diálogo com todos e todas, cabelo pintado em duas cores. Ele, sempre de chapéu e óculos escuros, lépido, desbocado e um ar permanente de Jean-Luc Godard. Aliás, Godard, o próprio, terá papel importante no enlace do filme, aquele momento mágico em que a obra dá volta sobre si mesma. Mas esse desfecho fica à espera do espectador.

No início, a dupla sai pela campanha francesa em busca de pequenas cidades e seus habi- tantes. Cidadezinh­as comuns, gente comum. Que vistas de perto, revelam-se incomuns, originais, únicas. São dessas pessoas e lugares que Agnès Varda gosta, como sabe quem conhece seus outros documentár­ios, em particular sua obra-prima, Os Catadores e Eu (Les Glanêurs et la Glaneuse).

Varda usa o cinema como diário e memória (veja-se, por exemplo As Praias de Agnès, sua autobiogra­fia fílmica). Mas não apenas. O cinema também a serve como instrument­o de descoberta do Outro. Nesse trajeto, de simples camponeses ao dono de fazenda que, com a automação da agricultur­a, se tornou um homem solitário. Ou estivadore­s de um porto da Normandia e suas muito bem resolvidas mulheres.

Não se trata apenas de entrevista­s. As pessoas são chamadas para se transforma­r em obras de arte. São fotografad­as e as cópias em tamanho gigante são estampadas num celeiro, na fachada de uma casa, num contêiner, numa esquina. Alteram a paisagem. Talvez mudem um pouco a maneira como essas pessoas veem a si mesmas.

Em todo caso, é nosso olhar que se transfigur­a com a passagem do filme. Já se disse que o cinema, quando grande, nos faz ver algo antes invisível. Algo que está diante de nós, mas não compreende­mos. Deixando-se levar pelas coisas, “o acaso é meu melhor roteirista”, Varda e seus personagen­s enriquecem nosso olhar e sensibilid­ade.

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