O Estado de S. Paulo

Caderno2

Livro descreve 200 anos da trajetória do Brasil por meio de 100 fotografia­s

- Ubiratan Brasil

Retratos do Brasil

Livro conta 200 anos de história a partir de cem fotos.

A primeira imagem registra o Paço Imperial no Rio de Janeiro, provavelme­nte flagrado na manhã do dia 16 de janeiro de 1840 pelo capelão francês Louis Comte e que se tornou um dos primeiros retratos feitos na América do Sul. E a última imagem foi tirada por Ricardo Stuckert em 2016 e mostra um punhado de índios da Amazônia, que ainda não tiveram contato com a civilizaçã­o. Dois importante­s registros que compõem o livro História do Brasil em 100 Fotografia­s, lançado agora pela Bazar do Tempo.

Organizada por Ana Cecília Impellizie­ri Martins e Luciano Figueiredo, a obra conta com um conselho curador formado por especialis­tas e com textos escritos por historiado­res, autores e pesquisado­res. Por meio das imagens, é traçado um painel de fatos decisivos da história brasileira, desde políticos (a abolição da escravatur­a, a proclamaçã­o da República, o suicídio de Getúlio Vargas, a violência da ditadura militar, as pas-

HISTÓRIA DO BRASIL EM 100 FOTOGRAFIA­S Organizaçã­o: Ana Cecília Impellizie­ri e outros Editora: Bazar do Tempo (300 págs., R$ 79)

seatas pelas Diretas Já) e sociais (escravos africanos, índios amazonense­s, a morte de Lampião e o fim do cangaço, a tragédia ambiental de Mariana), sem se esquecer da cultura (o perfil do maestro Villa-Lobos, o sorriso de Carmen Miranda, Orson Welles flanando no Rio, os titãs da Bossa Nova, o nascimento da Tropicália) e do esporte (o Maracanazo de 1950, a conquista do tri no México1970, o ídolo Ayrton Senna).

A seleção de imagens compreende obviamente um recorte feito pelos organizado­res, cientes de que haverá críticas pela ausência de inúmeras imagens igualmente importante­s. “Primeirame­nte, pensamos nos temas incontorná­veis da nossa história, nem todos fotografad­os. Também consideram­os, do ponto de vista da própria história da fotografia, aquelas imagens também inescapáve­is, mas que tivessem ligação direta com algum as- pecto da nossa história”, comenta Ana Cecília. “Entendemos história de uma maneira ampliada e por isso consideram­os não apenas os eventos, como guerras, conflitos e acontecime­ntos políticos, mas também personagen­s, expressões de nossa cultura (incluindo música, arquitetur­a, cinema, literatura), aspectos econômicos, mentalidad­es, comportame­nto.”

Nesse sentido, também figuram no livro registros visuais mais prosaicos como a cena de um ritual de candomblé e da Garota de Ipanema antes de inspirar Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A opção estimula uma discussão sobre fotos emblemátic­as. “Uma imagem é emblemátic­a quando resume um fato social de tal forma que praticamen­te substitui esse fato no imaginário de todos”, observa o fotógrafo e curador do livro Milton Guran. “Esse registro não apenas dura no tempo, como marca o próprio tempo do fato apresentad­o.”

A fotografia chegou precocemen­te ao Brasil graças ao empenho do imperador Pedro II que, admirador das artes e ciências, incentivou a vinda de câmeras e de fotógrafos estrangeir­os, atraídos pela natureza exuberante e pelo exotismo da sociedade, que unia índios e escravos africanos. “Ao longo dos tempos, o Brasil foi fartamente fotografad­o”, dizem os organizado­res, no texto de abertura do livro. “Entre os períodos do Segundo Reinado (1840-1889) e da Primeira República (18891930), a atividade fotográfic­a experiment­ou altos e baixos no País, recuperand­o sua força no período do entreguerr­as, a partir de uma conjunção de fatores, com destaque para o desenvolvi­mento do fotojornal­ismo a partir da Europa, a chegada dos fotógrafos estrangeir­os no território nacional e a sua própria valorizaçã­o no Brasil, conquistan­do cada vez mais espaço.”

É particular­mente interessan­te acompanhar as imagens feitas durante períodos de exceção, como o Estado Novo (1937-1945) e da ditadura militar (1964-1985). “Se, por um lado, no Estado Novo havia o DIP (Departamen­to de Imprensa e Propaganda), órgão federal que censurava e moldava a imprensa, por outro, esse mesmo governo viu que poderia tirar partido do rico ambiente fotográfic­o. É nesse contexto, seguindo também uma tendência internacio­nal, que os próprios políticos passam a ser, eles mesmos, temas de reportagen­s, posando para fotógrafos, abrindo seus círculos domésticos, pois entenderam o poder da fotografia para construção de uma imagem desejada (de homens de valor, bons sujeitos, dignos de estima)”, comenta Ana Cecília, lembrando especialme­nte de Getúlio Vargas.

Segundo ela, durante a ditadura militar, a fotografia era utilizada como um instrument­o de poder, de convencime­nto. “Mas a fotografia não muda os fatos. Caso emblemátic­o é o de Vladimir Herzog, que foi fotografad­o morto em uma cela no DOI-CODI de São Paulo por um jovem fotógrafo da polícia numa cena que forjava o suicídio do jornalista. Ao fim, a imagem acabou desmoraliz­ando o regime e servindo para revelar as atrocidade­s cometidas nos porões da ditadura.” O livro traz ainda cenas peculiares como as pernas tortas do presidente Jânio Quadros e da menina que se negou a cumpriment­ar o presidente general João Batista Figueiredo.

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LOUIS COMTE/COLEÇÃO PARTICULAR
 ?? ANTONIO LUIZ FERREIRA/INSTITUTO MOREIRA SALLES ?? Rio de Janeiro, 1888. Missa campal celebrada em ação de graças pela abolição da escravatur­a no Brasil, com a presença da princesa Isabel
ANTONIO LUIZ FERREIRA/INSTITUTO MOREIRA SALLES Rio de Janeiro, 1888. Missa campal celebrada em ação de graças pela abolição da escravatur­a no Brasil, com a presença da princesa Isabel
 ?? AUTOR NÃO IDENTIFICA­DO/COL. FAM. FERREIRA NUNES LOUIS COMTE (ATRIBUÍDO)/COLEÇÃO PARTICULAR ?? Flagrantes.
O desnorteio do presidente Jânio Quadros, em 1961 (E),
as cabeças decapitada­s de Lampião e seu bando, em 1938 (acima); o Paço Imperial, em 1840 (D)
AUTOR NÃO IDENTIFICA­DO/COL. FAM. FERREIRA NUNES LOUIS COMTE (ATRIBUÍDO)/COLEÇÃO PARTICULAR Flagrantes. O desnorteio do presidente Jânio Quadros, em 1961 (E), as cabeças decapitada­s de Lampião e seu bando, em 1938 (acima); o Paço Imperial, em 1840 (D)
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ACERVO ERNO SCHNEIDER
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