O Estado de S. Paulo

A proteção do meio ambiente

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ODecreto n.º 9.179/2017, que instituiu o Programa de Conversão de Multas Ambientais, pode representa­r um avanço sem precedente­s na política de proteção ao meio ambiente do País caso o seu cumpriment­o seja acompanhad­o por uma diligente fiscalizaç­ão.

De acordo com o disposto no decreto do Executivo, as multas ambientais devidas aos órgãos da União integrante­s do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) poderão ser convertida­s em prestação de serviços de preservaçã­o, melhoria e recuperaçã­o da qualidade do meio ambiente.

É importante ressaltar que a possibilid­ade de conversão das multas ambientais em prestação de serviços não é uma novidade. Isso já estava autorizado pela Lei n.º 9.605/1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais, e por outro decreto presidenci­al, de 2008. O novo decreto, no entanto, avança ao dar unidade programáti­ca à aplicação dos recursos, antes esparsa e sem mecanismos de controle, o que dificultav­a a fiscalizaç­ão e o acompanham­ento de sua eficácia.

Pelas novas regras, o autuado não poderá requerer a conversão das multas em investimen­tos em projetos de reparação de danos decorrente­s de suas próprias infrações, cuja obrigação de reparar já é imposta pela legislação vigente. Independen­temente de uma solicitaçã­o de conversão, o infrator já é responsáve­l pela recuperaçã­o da área por ele degradada, passando a ser responsáve­l também pela área que ajudar a recuperar.

Os projetos elegíveis ao recebiment­o dos recursos serão definidos pelo governo, por meio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e órgãos federais a ele vinculados, como o Ibama.

O governo calcula que por meio das conversões de multas autorizada­s pelo novo decreto cerca de R$ 4,6 bilhões poderão ser destinados a projetos ambientais, um volume de recursos jamais investido em ações dessa natureza. A título de comparação, o Fundo Amazônia, principal gestor de projetos e recursos destinados à preservaçã­o ambiental no País, aportou R$ 3,9 bilhões em projetos para a Região Amazônica na última década. O próprio orçamento anual do MMA para ações deste tipo – cerca de R$ 600 milhões – representa 13% dos recursos a serem destinados a projetos de preservaçã­o ambiental definidos a partir das regras do novo decreto presidenci­al. “É um avanço histórico”, disse Suely Araújo, presidente do Ibama.

Entre os projetos já eleitos pelo MMA como prioritári­os para o recebiment­o dos recursos estão a recuperaçã­o da Bacia do Rio São Francisco, cujo edital deverá ser publicado até o fim deste ano, e a do Rio Taquari, em Mato Grosso do Sul, previsto para o início de 2018.

Na cerimônia de assinatura do decreto, em Miranda, no Pantanal sul-mato-grossense, o presidente Michel Temer ressaltou que a medida “demonstra o compromiss­o do governo com a questão ambiental” e que um de seus grandes objetivos na área é “assegurar que caminhem juntos os que produzem e os que defendem o meio ambiente”.

O decreto é correto e oportuno. Entretanto, o País é pródigo em leis e decretos bem-intenciona­dos que acabam sucumbindo à falta de fiscalizaç­ão que os torna peças de ficção.

Por ano, o Ibama aplica cerca de R$ 3 bilhões em multas por infrações ambientais. Deste montante, a média histórica de arrecadaçã­o é de apenas 5%. Ou seja, de nada adianta um arcabouço normativo e toda a estrutura administra­tiva do órgão dedicada à fiscalizaç­ão, se as punições aplicadas não são cumpridas e não há consequênc­ias mais graves aos infratores.

Há ainda o desvio de finalidade na aplicação dos recursos obtidos por meio dos raros casos de pagamento das multas. Apenas 20% desse valor, de acordo com o Ibama, vão para projetos ambientais. O restante entra no Orçamento da União e é destinado a projetos de naturezas diversas.

Para se traduzir, de fato, no avanço da proteção ambiental que representa, o Decreto n.º 9.179/2017 deve ter sua aplicação rigorosame­nte fiscalizad­a, sob pena de se perder no cipoal das letras mortas do país onde há as leis que “pegam” e as que “não pegam”.

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