O Estado de S. Paulo

Fronteiras movediças

- E-MAIL: MNaim@ceip.org / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É ESCRITOR VENEZUELAN­O E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

Se as areias movediças são perigosas, as fronteiras movediças são ainda mais. Enquanto a areia movediça traga pessoas, as fronteiras que se movem engolirão sociedades inteiras.

Há 70 anos, Hitler queria mudar as fronteiras da Europa e o império japonês, as da Ásia. Essas tentativas custaram a vida de 3% da humanidade. No final dessas guerras, milhões de sobreviven­tes encontrara­m-se dentro de novas fronteiras, algumas das quais eram asfixiante­s e intranspon­íveis. O muro que dividiu Berlim foi a mais famosa das fronteiras pós-guerra construída­s para aprisionar uma nação.

Após a 2.ª Guerra veio um período durante o qual muitas colônias se tornaram independen­tes, mudando assim as fronteiras dos impérios que ainda sobreviver­am. Na segunda metade do século 20, o movimento de linhas fronteiriç­as diminuiu, em larga escala, mas as tentativas de redefinir fronteiras não desaparece­ram.

Em 2014, por exemplo, Vladimir Putin engoliu a Crimeia, movendo dessa forma a fronteira russa. Do outro lado do mundo, os chineses estão “criando” novas fronteiras. O que, até alguns anos atrás, eram pequenos e desabitado­s recifes no meio do Mar da China Meridional, são agora micro ilhas capazes de abrigar bases militares operadas pelo governo de Pequim. Drenando sedimentos e areia do fundo do mar e compactand­o-os em torno de recifes e atóis de coral, fizeram crescer até o pon- to em que era possível construir portos e aeroportos nas novas ilhotas. Desta forma, a China criou uma nova realidade geográfica e com ela novas fronteiras que lhes permitem reivindica­r a soberania sobre essa área marítima adjacente. Os chineses não são os únicos nem os primeiros que criam novas fronteiras nessa região. Vietnã, Malásia, Filipinas e Taiwan também o fizeram, embora de maneira mais modesta.

Outros querem que a sua região tenha fronteiras que a tornem um país soberano. Somente na Europa há 21 re- giões com movimentos independen­tistas que, se tivessem sucesso, alterariam o mapa do continente e transforma­riam sua política e sua economia.

Mas nestes tempos, uma tendência global ainda mais forte do que o movimento de independên­cia é o fortalecim­ento das fronteiras para torná-las ainda mais inexpugnáv­eis – não para os cidadãos que desejam sair, mas para os estrangeir­os que querem entrar.

Desde a queda do Muro de Berlim, os países europeus construíra­m 1.200 km de cercas e muros contra migrantes, a grande maioria desde 2015. Essa distância equivale a 40% do compriment­o da fronteira entre os EUA e o México. Um dos mais ativos construtor­es de cercas contra migrantes é Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria, que também enviou uma fatura de 400 milhões de euros à União Europeia para cobrir os custos de sua cerca. Como sabemos, Donald Trump também quer que o México pague os US$ 21 bilhões que custará o muro que quer construir na fronteira. Tanto a União Europeia quanto o governo mexicano recusaram o convite para pagar a cerca de Orban e o muro de Trump, respectiva­mente.

Uma das ironias desses tempos tão confusos é que, enquanto os nacionalis­mos, o protecioni­smo e o isolacioni­smo estão na superfície, as forças que os enfraquece­m são cada vez mais poderosas. Os vírus cibernétic­os e pandemias não respeitam nem as fronteiras nem o isolacioni­smo. Proteger as economias nacionais dos efeitos das crises financeira­s que ocorrem em outros países e afetar toda a economia mundial é impossível. Impedir a chegada de novas tecnologia­s ou ideias tóxicas que alterem a economia e a política de um país está cada vez mais difícil. Qual a fronteira, no mundo, que conseguiu repelir os contraband­istas de pessoas, de drogas, de produtos falsificad­os, de armas e muito mais? Nenhuma. Esta relação das realidades do mundo de hoje que fazem com que as fronteiras não cumpram o propósito para o qual existem é muito longa.

Tudo isso pode significar que o Estado-nação está em processo de extinção e os nacionalis­mos não são viáveis na prática? Claro que não. Estados, patriotism­o e nacionalis­mos estão para ficar. Mas também vieram para ficar as fronteiras móveis. E aquelas que, independen­temente das promessas dos políticos, na prática não conseguem proteger os cidadãos das ameaças que chegam de fora.

Somente na Europa há 21 regiões com movimentos independen­tistas

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