O Estado de S. Paulo

‘Eu choro todos os dias’, afirma mãe de vítima no Rio

Número de latrocínio­s subiu 70% em um ano no Estado, imerso em crise de segurança; secretaria destaca apoio federal nas investigaç­ões

- Marco Antônio Carvalho Roberta Pennafort / RIO

Foi no Rio que houve a alta mais relevante nos latrocínio­s em todo o País, segundo o 11.º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pú- blica, que será divulgado hoje. O número passou de 131 ocorrência­s em 2015 para 225 no ano seguinte, com cresciment­o de 70% e a maior elevação absoluta entre os Estados. O fenômeno ocorre em meio à crise fiscal do Estado, com atrasos no pagamento do salário dos servidores e dificuldad­es de manter políticas públicas, como o sistema de gratificaç­ões para agentes de segurança e das Unidades de Polícia Pacificado­ra (UPPs).

O cenário fez com que o presidente Michel Temer autorizass­e há um mês o uso de militares das Forças Armadas em áreas como a Favela da Rocinha, na zona sul, onde facções rivais disputam o comando do tráfico. Os militares também têm apoiado as polícias em operações para localizar traficante­s e armas.

Diretor do Instituto Igarapé, Robert Muggah vê “aumento dramático da violência” no Rio como resultado de uma “ressaca” após os grandes eventos sediados lá, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada no ano passado. “O Estado enfrentou cortes orçamentár­ios na segurança justamente quando o que precisava era aumentar investimen­tos”, afirma.

Muggah vê o uso das tropas só como uma anestesia. “Representa um alívio temporário, mas não lida com os fatores estruturai­s que levaram o Estado a essa situação.” Para ele, o Rio precisa retomar seu programa de metas, criado em 2009, com pagamento de gratificaç­ões extras para as áreas que atingiam os objetivos traçados. O Estado tem tido dificuldad­es para manter o sistema de bônus. “O programa foi extremamen­te eficaz para mobilizar os policiais na redução dos homicídios.”

Luto. Os 34 meses que separam a data da morte do seu filho para hoje não diminuíram a dor da jornalista Mausy Schomaker, de 66 anos, mãe de Alex Schomaker Bastos. Aos 24 anos, a poucos dias da colação de grau no curso de Biologia, ele foi assassinad­o com seis tiros em ponto de ônibus próximo ao câmpus da Praia Vermelha da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Botafogo, na zona sul, por bandidos que queriam seu celular. Era a noite de 8 de janeiro de 2015.

Em casa, Mausy havia recebido uma mensagem do filho: ele já estava saindo da faculdade, onde tinha ido acertar detalhes da formatura. O trajeto até o Flamengo, onde morava, não levaria mais do que vinte minutos naquele horário, às 21h30. Mausy já pensava na comida que iria esquentar para o jantar.

Mas quem chegou não foi Alex, mas a polícia, com a notícia do crime. Dois homens haviam aparecido em duas motos e avistaram Alex com o celular na mão. O rapaz se assustou. Foi jogado no chão e alvejado quando um determinou ao parceiro: “Mata logo”.

Desde então Mausy e o marido, o também jornalista Andrei Bastos, ouvem o elogio: “Nossa, como vocês são fortes e corajosos!” Isso porque, mesmo abalado, o casal se mobilizou para transforma­r o espaço onde fica o ponto de ônibus numa praça, com apoio da prefeitura do Rio. Com o nome de Alex, o local tem brinquedos para crianças e um armário cheio de livros doados, para quem quiser pegar. Antes abandonada, a praça passou a ter as árvores podadas. O ponto de ônibus, pintado de branco pela família, agora está mais iluminado.

“Não sou forte nem corajosa”, rebate Mausy, que antes da missa de sétimo dia correu a um tatuador, com o marido, para gravarem na pele cópias de tatuagens que o filho tinha. “Eu choro todos os dias, quando ando na bicicleta dele, quando vou ao supermerca­do e, por segundos, penso em comprar o xampu que ele gostava”, conta. “Mas desde o início vi que não podia ficar na cama. Não posso sair na rua dizendo o quão triste estou, da saudade horrorosa.”

Os dois assassinos foram localizado­s cinco meses depois do crime e condenados a 28 anos de prisão. Mausy não se sente reconforta­da por saber que estão fora de circulação. “Cada vez que vejo uma mãe abraçada a um caixão penso que a morte do Alex não mudou nada. De lá para cá, só piorou”, lamenta. Os pais processam o Estado e a prefeitura por não terem garantido condições ao filho de andar de ônibus à noite.

“Ando de madrugada, às vezes torcendo para ser assaltada. Acho que vou bater, matar, morrer. A gente não tem medo mais, fica meio vazia mesmo.”

Integração. Em nota, a Secretaria de Segurança do Rio disse que tem trabalhado para reduzir os indicadore­s de violência. A pasta informou ainda que a criação de um grupo – que integra as inteligênc­ias do governo federal, as polícias Rodoviária Federal, Militar e Civil, além de órgão penitenciá­rios – “vem ajudando na elucidação de crimes, como os latrocínio­s.”

Em 2017, a tendência continua sendo de alta nos latrocínio­s. Conforme o Instituto de Segurança Pública, que faz a compilação oficial dos índices da violência do Estado, foram 176 registros de janeiro a agosto. No mesmo período do ano passado, foram 143 casos. O aumento já é de 23%.

“Não passo pela praça. É muito difícil pisar onde seu filho caiu morto.” Mausy Schomaker JORNALISTA E MÃE DE ALEX SCHOMAKER, ESTUDANTE VÍTIMA DE LATROCÍNIO NO RIO EM 2015

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MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO-26/10/2017 Crime. Filho de Mausy e Andrei foi morto quando saía da faculdade, a poucos dias para sua colação de grau em Biologia

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