O Estado de S. Paulo

PROTESTANT­ISMO TEM VÁRIAS DIVISÕES NO PAÍS

Igrejas defendem nova reforma ao ver que abusos se repetem com nova cara

- José Maria Mayrink

Acomunidad­e evangélica tem duas igrejas no Brasil inspiradas na Reforma de 1517, quando o alemão Martinho Lutero publicou as 95 teses contra as indulgênci­as e, por causa da divergênci­a, foi excomungad­o pelo papa e rompeu com a Igreja Católica. As duas denominaçõ­es nasceram há mais de 100 anos entre colonos luteranos de origem alemã, no sul do País, que trouxeram a sua fé da Europa, mas não tinham assistênci­a espiritual. A primeira foi a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), em 1864, e a outra, a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), em 1900.

Os evangélico­s, que somam hoje mais de 42,3 milhões de fiéis no Brasil (22,2% da população), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), já se organizava­m desde 1811, quando se construiu um cemitério protestant­e em Sorocaba, no interior paulista. Apesar das dificuldad­es dos evangélico­s num país em que o catolicism­o era a religião oficial, outras comunidade­s surgiram a partir de 1824, já no Império, com a chegada de imigrantes alemães a Nova Friburgo (RJ) e São Leopoldo (RS). Em 1827, grupos menores se fixaram nas províncias de São Paulo, Rio, Minas e Espírito Santo e, na década de 1850, em Santa Catarina.

Os primeiros 40 anos foram muito duros para os evangélico­s, na vida civil e familiar, porque não tinham o direito de professar sua fé em público. Os casamentos dos evangélico­s não tinham validade, por isso os casais viviam em concubinat­o. Os protestant­es eram obrigados a sepultar seus mortos em alas segregadas. Os templos protestant­es não podiam ter símbolos religiosos, como cruzes, torres e sinos.

Com a IECLB, começaram a chegar pastores da Europa regularmen­te. Eram enviados pela Igreja Evangélica da Prússia, a Sociedade Missionári­a de Basileia (Suíça) e a Sociedade Evangélica para os Alemães Protestant­es na América. A IELB foi fundada entre imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, com ajuda de um pastor americano.

A duas denominaçõ­es professam a mesma fé da Reforma de Lutero, mas têm diferenças na estrutura e nas práticas pastorais. Por exemplo: a IECLB admite ordenar pastoras, o que a IELB, mais conservado­ra, rejeita.

Três séculos antes da organizaçã­o das igrejas luteranas, já havia evangélico­s no País. Entre os primeiros luteranos, a IECLB registra a vinda de Heliodor Hesse, escrivão que chegou por volta de 1554 e morou em São Vicente, no litoral paulista. Era filho do humanista Helus Eobano Hesse, amigo de Lutero.

Na ocupação holandesa do Nordeste, eram calvinista­s muitos dos invaso- res. Apesar do testemunho de cronistas do século 17 de que havia tolerância religiosa, foram responsabi­lizados pelo massacre de dezenas de católicos aliados dos colonos portuguese­s. Das vítimas dos massacres, ocorridos no Rio Grande do Norte, 30 foram canonizado­s pelo Vaticano no dia 15.

O reformador João Calvino, contemporâ­neo de Lutero e líder de um dos principais ramos do protestant­ismo, está sendo lembrado no aniversári­o de 500 anos da Reforma pela Igreja Presbiteri­ana, que segue sua doutrina. Os primeiros missionári­os presbiteri­anos vieram dos Estados Unidos no século 19 e fixaram-se em São Paulo, onde fundaram o colégio, e depois a Universida­de Mackenzie. Ofereceram ensino de alta qualidade a filhos da elite paulista. Fundaram também escolas no Rio e em Juiz de Fora, em Minas.

A comunidade se divide em três denominaçõ­es – a Presbiteri­ana, a Presbiteri­ana Independen­te e a Presbiteri­ana Renovada. As três seguem basicament­e a mesma doutrina, mas divergem em questões pastorais e de disciplina. A Presbiteri­ana não admite ordenar pastoras, que a Independen­te apro- va. Fundada em 1903 pelo reverendo Eduardo Carlos Pereira, a Presbiteri­ana Independen­te nasceu da dissidênci­a com a Igreja Presbiteri­ana do Brasil, ao pedir total autonomia em relação aos presbiteri­anos americanos e discordar do uso dos colégios, no caso o Mackenzie, para converter alunos. Os presbiteri­anos discordam também no ecumenismo, que os independen­tes praticam e a Igreja Presbiteri­ana do Brasil, não.

As igrejas luteranas e as presbiteri­anas são históricas ou tradiciona­is, ao lado da Metodista, da Batista e da Anglicana. Todas estão comemorand­o com maior ou menor ênfase os 500 anos da Reforma. Entre as tradiciona­is, ainda se inclui a Congregaçã­o Cristã no Brasil, de origem americana. Seus primeiros pastores vieram no século 19.

Contemporâ­neas. As Assembleia­s de Deus, mencionada­s assim no plural, são a maior denominaçã­o evangélica do País. Estão presentes em todos os Estados e contam com mais de 12 milhões de membros, segundo o IBGE. Como igrejas livres, no conceito dos líderes suecos, as Assembleia­s multiplica­ram-se em templos locais. Nasceram de um grupo dissidente da Igreja Batista.

Segundo o historiado­r Gedeon Alencar, autor do livro Protestant­ismo Tupiniquim, o protestant­ismo é cismático e divisionis­ta, desde o início da Reforma, como comprovam as divergênci­as doutrinári­as entre Lutero, Calvino e, mais tarde, Wesley, fundador do Metodismo

Em muitos casos, uma nova igreja evangélica surge e caminha em torno de uma liderança, como as denominaçõ­es fundadas por Valdomiro Santiago, R. R. Soares e Silas Malafaia. Aí se inclui o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, com a diferença de que ele aparece e desaparece no cenário de seus templos. “Edir busca a institucio­nalização da Universal, de modo que o futuro da sua igreja não dependa da presença dele”, observa Alencar. Até os anos 1990, os grupos pentecosta­is eram considerad­os seitas, e não igrejas, pela hierarquia católica, alegadamen­te por não terem estrutura doutrinári­a.

Numerosas igrejas protestant­es defendem uma nova reforma, ao constatar que abusos denunciado­s por Lutero, como a venda de indulgênci­as, se repetem sob novas roupagens. É uma crítica e autocrític­a que dirigentes de várias igrejas, incluindo a Católica, fazem ao constatar pedidos de contribuiç­ão, pagamento de dízimos e venda de produtos supostamen­te religiosos, em cultos e shows transmitid­os pela TV.

O apóstolo Gilson Henriques, presidente da Missão Mundial Tabernácul­os de Profetas, que fundou há 17 anos, denuncia a venda de produtos como óleos, porções de terra santa, pedacinhos de tecidos, garrafas de água do Rio Jordão.

“O mar de lama em que se encontra o País é sinal de que a voz profética dos cristãos ainda não foi suficiente­mente ouvida ou proferida. As denominaçõ­es cristãs são devedoras de uma palavra ética orientador­a para a sociedade brasileira.” Geraldo Graf PASTOR SINODAL DA IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA DO BRASIL

 ?? FOTOS: FELIPE RAU/ESTADÃO ?? SP. Pastor Graf conduz cerimônia na Igreja Luterana da Avenida Rio Branco. NA WEB Especiais. estadao.com.br/e/lutero2 Pastores falam sobre os 500 anos da Reforma Protestant­e.
FOTOS: FELIPE RAU/ESTADÃO SP. Pastor Graf conduz cerimônia na Igreja Luterana da Avenida Rio Branco. NA WEB Especiais. estadao.com.br/e/lutero2 Pastores falam sobre os 500 anos da Reforma Protestant­e.

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