O Estado de S. Paulo

Tudo junto e misturado

- LUIS EDUARDO ASSIS

Oidioma alemão tema deliciosa caracterís­tica de criar conceitos abstratos por meio da justaposiç­ão de palavras. Weltanscha­uung talvez seja o exemplo mais manjado. Schadenfre­unde t ambé mé popular. Mas existe também Poli tik ver dr os senheit, menos cotado, mas muito adequado a omomento em que vivemos. Apalavra significa a condição de estar desinteres­sa doou desencanta­do com apolítica. O mercado financeiro parece estar experiment­ando essa experiênci­a e acalenta a cândida ilusão de que a atividade econômica possa se descolar do labirinto infernal da política brasileira. Os números bem que podem alimentar essa quimera. Enquanto nossos representa­ntes chafurdam com gosto no pântano da ignomínia, a Bolsa de Valores sobe, os juros caem e o emprego aumenta. Descolou? Como assim?

Há três argumentos para defender a ideia de que a economia pode se descolar dos ardis da vida política. O primeiro é imaginar, ingenuamen­te, um alheamento completo das duas atividades. Assim como o Brasil vai bem no futebol e mal no basquete, seria também possível fazer a economia prosperara despeito das trampolini­ces de Brasília. Basta não prestarmos atenção ao que fazem os políticos e trabalharm­os duro para engrandece­r a Nação. Vidas separadas. Tolice. Uma segunda maneira é acreditarm­os em certo fatalismo contábil, muito em voga entre vários economista­s. O álibi, aqui, é assumir que quaisquer que sejam os desdobrame­ntos da crise política e qualquer que seja o próximo presidente, cedo ou tarde o País terá de fazer seu ajuste fiscal, já que não é possível seguir indefinida­mente gastando mais do que se arrecada. Tomara fosse. A analogia frequente entre o orçamento doméstico e as finanças públicas é falsa. Ninguém sabe por quanto tempo poderemos contar com o hímen complacent­e dos credores da dívida pública, até porque o merca dobras ileiroépr aticamente fecha doe a demanda por títulos público sé quase cativa. Como não há prazo para este ajuste de contas final, também não há limite para o estrago que a falta de solução para a crise política poderá causar na economia. De mais a mais, a eleição de um presidente com ideias populistas em 2018 (há vários candidatos desse naipe) poderá se sobrepor a qualquer necessidad­e aritmética de que os gastos e a arrecadaçã­o de impostos devam ter trajetória­s convergent­es. Por fim, há quem pense que a sociedade brasileira já alcançou maturidade suficiente para entender que o ajuste fiscal é uma necessidad­e incontorná­vel. Nem Pollyanna, do romance de Eleanor Porter, chegaria a tanto. Para quem nutre a ilusão de que o debate avança e estamos chegando a um consenso, basta lembrar que o relatório final da CPI da Previdênci­a declara, categorica­mente, que “é possível afirmar com convicção que inexiste déficit da Previdênci­a Social ou da Seguridade Social”. Este desvario não é caso isolado: o DataFolha detectou em maio de 2017 que 71% dos brasileiro­s são contra a reforma da Previdênci­a.

Não há como desentranh­ar a tímida recuperaçã­o econômica das agruras da vida política. Já seria inadequa-

Não há como desentranh­ar a tímida recuperaçã­o econômica brasileira das agruras da vida política

do mesmo se o núcleo duro dos nossos problemas não fosse o ajuste fiscal. Mas o equilíbrio das contas públicas, condição fundamenta­l para que a incipiente recuperaçã­o não bata numa muralha, envolve diretament­e escolhas políticas cavilosas. Trata-se de escolher de que forma o ônus do ajuste será dividido. Quem, de que forma, quando e quanto deverá ser pago? Não há resposta “técnica” para essas perguntas. Será a capacidade de encontrarm­os, todos, solução para os impasses políticos atuais que definirá o fôlego da recuperaçã­o da economia. A economia depende da política, que a condiciona. Ou somos capazes de avançar nas reformas estruturai­s ou estaremos fadados ao fracasso econômico. Será que existe alguma palavra em alemão para “não ver o que está diante do nariz”? ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

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