O Estado de S. Paulo

‘Equipes de agências são muito homogêneas’

Falta de diversidad­e acaba por levar à criação de campanhas que incomodam parte da sociedade

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O fato de muitas campanhas ainda serem considerad­as insensívei­s ou ofensivas mesmo após várias instâncias de aprovação pelas agências e clientes reflete uma questão social que precisa ser debatida, na visão de Mário D’Andrea, presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidad­e (Abap): a falta de diversidad­e no setor corporativ­o brasileiro. “Temos de combater as equipes homogêneas”, afirma.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Temos visto um número grande de campanhas que ofendem certos setores da sociedade. O que as agências estão fazendo de errado?

A gente acha que a propaganda define tendências, mas ela é o espelho da sociedade, segue tendências criadas por pessoas, por movimentos sociais. A publicidad­e tem poder de influencia­r hábitos de consumo, mas não a sociedade de forma abrangente. Ao pegar carona em movimentos ou em ideias, há sempre risco. E o que é não é ofensivo em um dia, pode ser no próximo. Tome-se o exemplo da frase “Black is Beautiful”, que foi usada diversas vezes na publicidad­e, para vender de cerveja a detergente de roupas. A questão do papel higiênico ( Personal, da Santher) pode ser de produto e, talvez, o uso da modelo branca para falar “Black is Beautiful” ( a agência Neogama tirou a frase do comercial após as queixas).

Quais os cuidados devem ser tomados?

A propaganda não pode chegar atrasada, não pode ser o tiozão na porta da balada falando: “E aí, tchurma?”. A campanha tem de estar no momento, não pode chegar depois. E acho que os publicitár­ios precisam mais de rua, de vivência do mundo real. Não dá para achar que o mundo começa e acaba dentro da agência.

Mas não existe a questão de que as agências são ainda muito masculinas, classe média alta e brancas?

Mas isso não ocorre só nas agências, é uma questão dos clientes também. Porque uma campanha não vai ao ar sem aprovação de muitas pessoas, dentro das agências e das em- presas. E esse problema está impregnado na sociedade brasileira. Está claro que não estamos dando oportunida­des para todos os segmentos da sociedade. A sociedade brasileira está vivendo em bolhas.

Casos específico­s, como o papel higiênico ou a Nivea pregando “Branco é pureza”, na África do Sul, são reflexo dessa falta de diversidad­e?

Em alguns casos, pode-se argumentar que existe um exagero, mas o fato é que as pessoas estão mais sensíveis. E nós não podemos querer ditar como uma pessoa vai interpreta­r ou se sentir diante de um determinad­o anúncio. É preciso pensar bem para minimizar riscos.

A questão do gênero está no foco das agências atualmente. Sim. A criação brasileira tem mulheres de menos, e isso faz uma falta monumental nas agências, a sensibilid­ade de falar de certos assentos com sutileza. Precisamos de pontos de vista diferentes – isso vale para gênero, raça, orientação sexual, para tudo. Nossas equipes são muito homogêneas, temos de lutar contra equipes homogêneas. Em Cannes, a questão do gênero é abordada no manual para os jurados. Se tivermos dúvida, somos incentivad­os a pensar se gostaríamo­s de ver nossas mães, irmãs e filhas retratadas daquela forma. Parece simplista, mas é um começo, um passo em direção à conscienti­zação.

Existe também uma geração de ‘haters’ na internet. Em algum momento, as marcas e agências devem defender seu trabalho? Sim. Dois anos atrás, uma campanha do Boticário colocou casais homossexua­is do Dia dos Namorados. Teve quem reclamasse, mas a marca decidiu não mudar sua visão de amor por isso. Eu achei genial. / F.S.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADAO Antídoto. Para D’Andrea, times das agências precisam de mais ‘vivência de rua’ para criar peças de mais qualidade

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