Ministro contraria governo e defende prisão em 2º grau
Polêmica. Torquato Jardim, da Justiça, alerta para ‘insegurança jurídica’ e diz que ‘mudança política’ afeta ‘biografia do Supremo’; AGU defende execução de pena após todos os recursos
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, defendeu ontem a execução da pena após condenação do réu em segunda instância. Criticada por políticos investigados, às vésperas do ano eleitoral de 2018, a medida provoca polêmica e é vista pela força-tarefa da Lava Jato como uma das mais importantes para o combate à corrupção. A posição de Torquato, porém, contraria até mesmo o entendimento do presidente Michel Temer e da Advocacia-Geral da União (AGU).
Em recente manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a AGU argumentou que a pena somente deve ser executada após esgotados todos os recursos. Temer, por sua vez, sustentou a constitucionalidade do artigo 283 do Código Penal, segundo o qual a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo, salvo nos casos de flagrante ou de preventiva.
O assunto será levado novamente ao plenário do Supremo, que já decidiu duas outras vezes se manter favorável ao encarceramento após confirmação da sentença judicial, em segundo grau, mesmo que ainda existam recursos pendentes. Desde já, a queda de braço preocupa précandidatos às eleições do ano que vem, do PT ao PMDB, passando pelo PSDB e por integrantes do Centrão. Formado por partidos médios, como o PR, o PP e o PSD, o grupo dá sustentação a Temer e também tem vários políticos na mira da Lava Jato.
“A alegada motivação política da mudança não fica bem para a biografia do Supremo”, afirmou Torquato Jardim, em referência a uma possível reviravolta no novo julgamento da Corte. “Sou a favor do recolhimento na segunda instância. Do ponto de vista técnico, esse debate cria uma imensa insegurança jurídica porque a decisão que vai manter o réu preso, ou em liberdade, dependerá de uma composição eventual do Supremo.”
Se o atual entendimento da Corte for mantido, um condenado em segunda instância poderá não ter mais chance de apelar em liberdade. Réu em sete ações penais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – nome do PT para a disputa ao Palácio do Planalto – pode, por exemplo, virar ficha suja e se encaixar nesse figurino, ficando inelegível.
Mudança. O Supremo, no entanto, dá sinais de mudança de rota. Há um pedido de suspen-
são do cumprimento da pena nesta fase. Divididos, os ministros vão examinar o tema pela terceira vez, mas a sessão ainda não foi marcada. O relator do caso é Marco Aurélio Mello.
Para Torquato Jardim, toda a polêmica advém do fato de como se interpreta a presunção de inocência. “Existe uma enormidade de habeas corpus no Supremo, mas é preciso aceitar que o julgamento probatório ocorre, de fato, na segunda instância”, argumentou ele.
A opinião do ministro da Justiça está em sintonia com declarações do juiz Sérgio Moro, que conduz os inquéritos da Lava Jato, em Curitiba. Ao participar, na terça-feira passada, do Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, promovido em parceria
com o Centro de Debate de Políticas Públicas, Moro disse que o Supremo já teve sensibilidade para perceber que “justiça sem fim é justiça nenhuma”.
O juiz titular da 13.ª Vara Federal Criminal da capital paranaense lembrou, porém, que alguns integrantes da Corte insinuam, agora, a revisão de seus votos. “Alguns ministros dizem que podem mudar de opinião e eu acho que existe uma expectativa da sociedade, da imprensa, dos demais operadores que isso não mude”, insistiu Moro.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF Gilmar Mendes é um dos que indicam a possibilidade de outro entendimento sobre a questão. Recentemente, Gilmar mostrou-se favorável à prisão somente após um recurso especial passar pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Procuradores da Lava Jato sustentam que brechas na lei facilitam inúmeros recursos por parte dos acusados, incentivando a impunidade e fazendo até mesmo “caducar” a punição. Nesse cenário, outros três pontos discutidos no Supremo são considerados essenciais para o futuro da operação: a restrição ao foro privilegiado, o uso das prisões preventivas e as delações premiadas.