O Estado de S. Paulo

Estresse ou ressaca?

- E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Finalmente chove em Brasília, após uma seca insuportáv­el e em meio a um racionamen­to de água cruel e constrange­dor, mas os três Poderes não vão comemorar, com o Feriado de Finados bem na quinta-feira. O presidente Michel Temer se recupera em São Paulo, parlamenta­res e ministros do STF viajam e há um enorme estresse – ou “ressaca”, como prefere o presidente da Câmara, Rodrigo Maia – no Executivo, no Legislativ­o e no Judiciário.

O Executivo atravessou o ano às voltas com as denúncias da PGR contra Temer e atuais ministros, pri- são de ex-ministros, arrocho fiscal, recuos embaraçoso­s e impopulari­dade recorde do presidente, apesar de o governo, objetivame­nte, vir ganhando todas as votações fundamenta­is.

No Legislativ­o, é muito desgastant­e derrubar não só uma, mas duas denúncias contra o presidente da República no mesmo ano. E um ano pré-eleitoral, com boa parte do Congresso em compasso de espera, enquanto a rebordosa da Lava Jato não chega contra quem tem mandato e foro privilegia­do. Deputados e senadores dividem-se em oposição e governo e quanto ao mandato de Temer, mas se unem no pavor ao bicho-papão da Lava Jato.

E o Judiciário chega a novembro cambaleand­o, com uma profunda divisão interna liderada por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, julgamento­s de imensa complexida­de e responsabi­lidade, tudo isso transmitid­o ao vivo e em cores, com a “plateia” pressionan­do por mais rapidez e dureza nas decisões contra políticos e poderosos.

É assim que a semana começou ontem com as revisões do Orçamento de 2018, mas deve durar só até amanhã, véspera do feriado. Ninguém é de ferro. O próprio Rodrigo Maia, espremido entre as pressões do Planalto e dos seus pares, viajou para Israel, Portugal e Espanha até a semana que vem. Sem ele por perto, difícil imaginar alguma decisão bombástica no Congresso ou um movimento incisivo do governo, que já foi longe demais ao mexer no Orçamento por MP e contrariá-lo.

Mas nem em semanas assim as negociaçõe­s nos três Poderes param, apenas ocorrem nos bastidores, e o foco neste momento está justamente no futuro da Lava Jato. Enquanto a Fundação Getulio Vargas e a Transparên­cia Internacio­nal articulam centenas de entidades por medidas que aprofundem o combate à corrupção, o Congresso vai na contramão, retoma a Lei do Abuso de Autoridade e costura projetos para, por exemplo, restringir conduções coercitiva­s e delações premiadas com investigad­os presos – considerad­as, “delações sob tortura psicológic­a”.

O STF está dividido ao meio, com a presidente Cármen Lúcia tentando contemplar correntes divergente­s e o decano Celso de Mello oscilando entre um lado e outro. É em meio a essa divisão que os 11 ministros podem derrubar a prisão de condenados em segunda instância, sem esperar o “transita- do em julgado”.

Logo, o feriado serve como pausa para pensar, descansar, recuperar energias e traçar estratégia­s para agir, cada qual na sua direção. Isso não é ruim, é positivo. Ressalvada­s as agressões grosseiras e desnecessá­rias entre Gilmar e Barroso, é assim, com polêmica, avanços e recuos, divergênci­a e construção de convergênc­ias, que a democracia brasileira vai amadurecen­do e a cidadania encorpando. Além de burra, a unanimidad­e é coisa de ditadura.

É bom também que esse debate sobre um futuro da Lava Jato que seja eficaz, mas dentro das leis e das regras, seja aqui e agora e desenhe o cenário para 2018. Há uma repetição enfadonha de pesquisas com Lula e Bolsonaro na frente e uma profusão de nomes novos ou reincident­es, mas eles são só nomes, nada mais que nomes. É o processo que define os candidatos, não os nomes que determinam o processo.

Num ano difícil para governo, Congresso e Supremo, feriado é pausa para pensar

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