Gilmar mantém Cabral em presídio no Rio
Lava Jato. Ministro do STF reverte decisão de Marcelo Bretas e suspende transferência; ele vê irrelevância na afirmação do ex-governador de que parentes do juiz vendem bijuterias
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu ontem a um pedido da defesa de Sérgio Cabral (PMDB) e suspendeu a transferência do ex-governador do Rio para um presídio federal em Campo Grande (MS). A mudança havia sido determinada pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal, do Rio, responsável pelas ações do braço da Lava Jato no Estado, e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2).
O pedido para que Cabral fosse enviado a uma penitenciária de segurança máxima fora do Rio partiu do Ministério Público Federal após o ex-governador afirmar, em depoimento a Bretas, ter a informação de que a família do magistrado negocia bijuterias. Na ocasião, o juiz afirmou que a menção a seus familiares poderia ser subentendida como algum tipo de ameaça.
Para Gilmar, porém, não há nada “relevante” no fato de Cabral ter citado em depoimento que familiares de Bretas vendem bijuterias. Na decisão, o ministro alega que a menção à atividade profissional da família do juiz “não só é exercida publicamente como foi publicizada pelos próprios membros da família Bretas”. A defesa do ex-governador incluiu no processo uma reportagem publicada pelo Estado em setembro que traz informações sobre os negócios do pai de Bretas.
“Não há nada de indevido no interesse do preso pela reportagem sobre a família de seu julgador. Tampouco o acesso do preso à notícia é irregular. Na forma da Lei de Execução Penal, o preso tem direito a manter ‘contato com o mundo exterior’, por meio ‘da leitura e de outros meios de informação’”, argumentou o ministro.
Na avaliação de Gilmar, a eventual transferência para estabelecimento federal de segurança máxima é “medida excepcional” e, no caso de Cabral, não seria justificada. “O fato de o preso demonstrar conhecimento de uma informação es- pontaneamente levada a público pela família do magistrado não representa ameaça, ainda que velada. Dessa forma, nada vejo de relevante na menção à atividade da família do julgador”, afirma o ministro do STF em seu despacho.
Comando Vermelho. Se Gilmar não tivesse derrubado a decisão, Cabral seria removido para a unidade onde estão líderes do Comando Vermelho, uma das facções que dominam o tráfico de drogas no Rio. Entre os presos, está Ricardo Chaves de Castro Lima, o Fu da Mineira, um dos líderes do grupo.
Além dele, o presídio federal abriga outros nove criminosos fluminenses, de acordo com a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Rio. Fu está preso em Campo Grande desde 2015. Ele é apontado como chefe do tráfico das favelas no Complexo do Lins, zona norte da cidade. Nesta semana, um comandante da Polícia Militar do Rio foi morto na região.
O ex-governador do Rio está preso desde 17 de novembro do ano passado. Ele já foi condenado a 72 anos de prisão – a pena de 58 anos foi imposta por Bretas e 14 anos foram aplicados pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba.
Na decisão, Gilmar também rebate as alegações do Ministério Público sobre supostos privilégios a Cabral na prisão que justificariam a transferência de Estado. “Quanto ao suposto tratamento privilegiado no sistema carcerário do Rio de Janeiro, trata-se de fato grave, a merecer reação vigorosa – caso efetivamente esteja ocorrendo”, afirma o ministro.
“No entanto, ainda que ilegal, o acesso indevido a confortos intramuros não constitui risco à segurança pública. Por tudo, tenho que a transferência do paciente ao sistema penitenciário federal de segurança máxima não se justifica no interesse da segurança pública.”
Revisão. Não é a primeira vez que Gilmar reverte uma decisão de Bretas (mais informações nesta página). Além de suspender a transferência de Cabral para Campo Grande, o ministro do STF já havia revertido prisões decretadas pelo juiz fluminense – as mais polêmicas, em relação aos empresários Eike Batista e Jacob Barata Filho, conhecido como “rei do ônibus”.
Gilmar é crítico ao que chama de “prisões alongadas” impostas por juízes de primeira instância no âmbito da Operação Lava Jato e seus desdobramentos e tem feito críticas à condução de algumas investigações.
Na semana passada, protagonizou um intenso bate-boca com o ministro Luís Roberto Barroso no plenário do Supremo. Na ocasião, foi acusado pelo colega de Corte de ser “leniente em relação à criminalidade do colarinho-branco”. Gilmar retrucou dizendo que suas decisões eram tomadas seguindo a Constituição.